Bestas insignificantes com o rei na barriga

Não sei quanto a vós, mas a mim cansa-me viver esta farsa que me impede de ser coisa nenhuma ou, como o animal que sou, que somos, de ao menos cheirar o tutano do mundo.

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Publiquem as minhas piores fotografias, citem as frases mais parolas e idiotas que proferi — deve ser fácil, são quase todas , façam-me parecer desinteressante e triste, vejam como envelheci e como murcharam os poucos atractivos que o meu corpo possuía. Vendam-me a um preço real, um preço baixo, despromovam-me, difamem-me, inventem mentiras a meu respeito, desde que sejam coisas tremendas, que contribuam para a minha má fama. Ter uma boa reputação e alguma inteligência são a pior coisa que uma pessoa pode ter, fazem com que vivamos no medo de que um dia possamos perdê-las. Mais vale não ter nada a perder. Mostremo-nos como realmente somos. Um animal de pouca dura, uma cavalgadura. Com muito ou nada para dizer.

Atirem o meu nome para a lama ou para abaixo da lama, se puder ser. Por mim, podem pôr as hierarquias e os estatutos no lixo, somos todos o fumo efémero com o qual sujamos o mundo. Não sejamos hipócritas, mostremo-nos como somos, em casa, na rua, no café e no trabalho, deixemos de usar as três ou quatro caras falsas que emolduramos com cabelos e corpos disfarçados com trapos caros. Não sei quanto a vós, mas a mim cansa-me viver esta farsa que me impede de ser coisa nenhuma ou, como o animal que sou, que somos, de ao menos cheirar o tutano do mundo.

Publiquem os meus piores momentos, exponham-me despida e peluda em praça pública. Obriguem-me a dizer adeus à vaidade, nada me agonia tanto como saber que embarco neste circo das aparências sem decência nenhuma. Sejamos dignos e dignas. Abaixo a hipocrisia. Abaixo a fama, a não ser que seja a má. Abaixo a autopromoção, abaixo o medo de ser despromovido. Vivam o fracasso e o erro. Viva a má vida, já que a vida boa é plana como o planeta para os ignorantes. Um "viva" à ignorância, que não tem culpa daqueles que a praticam. Apupemos os aplausos digitais e os reais. Digamos adeus à eficiência e à preguiça. Façamos o que nos aprouver e isso pode ser coisa nenhuma. Mostremo-nos como realmente somos, se soubéssemos dizer aquilo que somos, se soubéssemos sê-lo. Como somos os humanos e as humanas tão desumanos, bestas insignificantes com o rei na barriga.

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