Agressões a árbitros no futebol jovem estão a aumentar
Na época passada, os jogos dos escalões de formação foram palco de 30% das ocorrências. Em 2022-23, esse peso já disparou para os 40%. Pais de atletas são os agressores mais comuns.
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Neste fim-de-semana a bola não vai rolar nos jogos organizados pela Associação de Futebol (AF) de Lisboa. A medida, anunciada a meio da semana, é um grito de protesto pelo ambiente de violência e intimidação que tem assolado os campos de futebol e de futsal pelo país fora e que, nos dias 10 e 11 de Dezembro, atingiu proporções invulgares, com sete agressões a árbitros, três das quais registadas na esfera da capital. Um fenómeno que se tem arrastado ao longo dos anos e que, na presente temporada, está a afectar ainda mais os escalões jovens.
Os dados disponibilizados ao PÚBLICO pela APAF (Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol) são claros: em 2021-22, das 30 ocorrências registadas, nove tiveram lugar no futebol de formação, ou seja, 30% do total. Na presente temporada, que ainda não chegou sequer a meio, já constam dos registos 10 agressões a árbitros, quatro das quais nos escalões de formação (40%) — duas nos juvenis e duas nos infantis, distribuídas por AF Lisboa, AF Porto e AF Ponta Delgada.
Em comum, todos estes casos no futebol jovem têm o facto de as agressões terem sido cometidas por elementos externos ao jogo, mais concretamente por pais dos atletas (em três dos incidentes) e por um delegado. Nas observações que constam do relatório relativamente a um desses encontros, podemos ler o seguinte.
“Num jogo de crianças com idades à volta dos 10 anos, o árbitro foi obrigado a interromper o jogo pelas ofensas, coacção e intimidação dos pais das crianças. Após ter decidido interromper o jogo, ainda foi alvo de tentativas de agressão por parte desses pais. O jogo não tem policiamento previsto. O árbitro teve de contactar a PSP para poder sair em segurança do recinto desportivo.”
De facto, as agressões perpetradas por jogadores ou elementos das equipas técnicas são uma minoria quando comparadas com as protagonizadas pelos espectadores ou outros agentes externos ao jogo. E ainda que, nos últimos anos, a tendência até possa indicar um decréscimo no número de ocorrências (foram 51 em 2016-17, 45 em 2017-18 e 42 em 2018-19, antes dos anos de paragem provocados pela pandemia de covid-19), a violência continua a pairar sobre muitos dos rectângulos de jogo em Portugal.
Luciano Gonçalves, presidente da APAF, denunciou um “fim-de-semana negro para o futebol e para a arbitragem”, ao mesmo tempo que pediu às “entidades judiciais, conselhos de disciplina e associações de futebol que sejam céleres e exemplares com os castigos e punições aos criminosos”. Sérgio Mendes, responsável pelo gabinete de contencioso do organismo, acrescentou ao PÚBLICO alguma informação de contexto.
“Relativamente ao momento das agressões, alerto para a circunstância de existir uma relação causa/efeito entre eventos mediáticos e o número de agressões. Em 2021-22, elas aumentaram após o eclodir da guerra na Ucrânia. Este ano 70% das agressões ocorreram após o conflituoso jogo entre Argentina e Países Baixos e as declarações de jogadores portugueses em relação à equipa de arbitragem do Portugal-Marrocos”, assinalou.
O Conselho de Arbitragem (CA) da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) também já condenou os incidentes e solicitou “punição exemplar por parte das entidades responsáveis”, ao passo que Luciano Gonçalves garantiu que estão em marcha “queixas para o Ministério Público”, assumindo a complexidade de um problema que assume tipologias e contextos muito variados.
Transversal praticamente a todos os casos é o crime em causa: agressão, reportado em 34 das últimas 40 ocorrências, sendo que, neste universo, houve 16 partidas que beneficiaram de policiamento da PSP ou GNR (as restantes ou não tiveram policiamento ou contaram apenas com um Ponto de Contacto com a Segurança).