Os oito projetos de revisão constitucional
Todos os oito partidos com assento parlamentar apresentaram projeto de revisão constitucional. Muito brevemente, vou considerar os seus aspetos positivos e os negativos.
1. Há dois anos escrevi e publiquei um opúsculo, Aperfeiçoar a Constituição, como exercício de constitucionalista e também por calcular que, mais cedo ou mais tarde, se iria desencadear mais uma revisão constitucional (a última fora em 2005). Assim aconteceu, apesar de haver muitos e muito graves problemas que a Assembleia da República deveria discutir e obrigar o Governo a enfrentar: a inflação, a lentidão da justiça, a crise nos hospitais, as distorções de serviços públicos, grandes zonas de pobreza.
Foi o Chega que avançou com o primeiro projeto. E seguiram-se todos os outros partidos. Sem necessidade, assinale-se, porque esgotado o prazo de trinta dias do art.º 285.º da Constituição sem nada ser aprovado não fica precludido o direito de ser apresentado outro projeto. Nem o Partido Social-Democrata nem o Partido Socialista precisavam agora de o fazer. E, como qualquer alteração constitucional carece de dois terços dos deputados em efetividade de funções, o PS, com a sua maioria absoluta, bem poderia escolher o seu momento.
2. Mas, enfim, todos os oito partidos com assento parlamentar apresentaram, através dos respetivos deputados, projeto de revisão constitucional.
Muito brevemente, vou considerar os seus aspetos positivos – alguns comuns a quase todos – e os negativos.
3. Pontos positivos:
– A atenção prestada em diversos preceitos ao ambiente, à natureza e à sustentabilidade ambiental (com algum exagero, aqui e ali, como se se tratasse de um programa de Governo);
– O direito à água (que deverá constar do artigo sobre ambiente e qualidade de vida);
– A explicitação de discriminações vedadas entre as pessoas (ainda que sempre se tenha entendido que o princípio da igualdade era uma cláusula aberta);
– Regras sobre o tratamento dos dados pessoais e sobre a digitalização, com garantia de decisão judicial;
– Regras sobre vigilância eletrónica do domicílio;
– Regras sobre o confinamento por causa de doença contagiosa, com garantia de decisão judicial;
– Regras sobre a coesão entre gerações;
– A consagração da medicina paliativa;
– Gratuitidade da educação pré-escolar;
– Garantias dos trabalhadores em processo disciplinar;
– O recortar dos círculos eleitorais para a eleição dos deputados à Assembleia da República com observância da representação proporcional;
– Preceitos sobre a competência da Assembleia da República no tocante a atos da União Europeia;
– A atenção prestada à língua portuguesa no projeto do Chega.
4. Em contrapartida, são chocantes estas prescrições do projeto do Chega:
– As restrições às informações relativas às pessoas e às famílias;
– A castração química;
– A possibilidade de prisões e de medidas de segurança perpétuas;
– As restrições à inviolabilidade do domicílio;
– A revogação dos limites materiais de revisão constitucional.
5. Noutros projetos são negativos:
– O aumento excessivo de poderes de nomeação para cargos públicos pelo Presidente da República e poderes relativos às regiões autónomas;
– No projeto do Partido Social-Democrata, o aumento para sete anos do mandato do Presidente da República – o que, conjugado com o aumento dos seus poderes, afeta ou põe até em causa o sistema de governo vindo da revisão constitucional de 1982 (chame-se semipresidencial ou parlamentar racionalizado);
– O direito à alimentação em artigo próprio (no projeto do Partido Socialista), quando bem poderia estar no artigo sobre a saúde;
– A eliminação da possibilidade de setores básicos da economia vedados à atividade privada (no projeto da Iniciativa Liberal);
– A criação de um provedor da Autonomia, eleito a nível regional, em vez de representante da República nas Regiões Autónomas (no projeto do Bloco de Esquerda);
– A exigência (no projeto do Partido Comunista) de dez anos, e não de cinco (como é hoje, à face do art.º 284.º, n.º 1 da Constituição), para desencadear um processo de revisão constitucional.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico