Os responsáveis do mais famoso guia gastronómico fizeram rufar os tambores anunciando um ano histórico, mas a festa acabou um pouco pífia. Na lista, há até uma certa sensação volta atrás, uma espécie de rewind, uma vez que, dos cinco novos estrelados, três eram já esperados nos anos anteriores. Os outros dois, estão de portas abertas há menos de um ano. A grande novidade, anunciada em gala esta terça-feira em Toledo, Espanha, acabou, assim, por ser o anúncio de que a partir da próxima edição a apresentação dos novos guias deixa de ser conjunta para a Península Ibérica e passa a haver uma gala em cada um dos países.
Há vários anos apontados como merecedores da estrela, os chefs Vasco Coelho Santos (Euskalduna Studio, Porto) e Paulo Morais (Kanazawa, Lisboa) provavelmente já nem esperariam a distinção, mas lá diz o ditado que vale mais tarde que nunca e somam assim os seus restaurantes ao total de 38 que ostentam o cobiçado símbolo de excelência gastronómica, sete deles com duas estrelas.
Mais recentemente, também o chef francês Julien Montbabut viu o seu luxuoso restaurante Le Monument, instalado no hotel Monumental, no centro do Porto, dado como seguro no grupo de estrelados, mas neste caso a espera foi bem mais curta, pelo que a esperança não deve ter chegado a esmorecer.
Nos outros dois casos, pode igualmente falar-se em surpresa, mas agora pelas razões opostas, uma vez que tanto Encanto como Kabuki são casas que estão de portas abertas há menos de um ano. No caso do restaurante vegetariano de José Avillez, o Encanto, a escolha ganha mesmo foros de ineditismo. Abriu em Março deste ano e dificilmente se encontrará caso de tamanha precocidade no reconhecimento dos inspectores Michelin.
Um claro reconhecimento à consistência e solidez de José Avillez, que passa assim a contar com três restaurantes distinguidos, associando agora a do Encanto às duas do Belcanto e à conquistada este ano pela Tasca by José Avillez no guia para o Dubai.
Já quanto ao Kabuki, do Ritz (cozinha actualmente liderada pelo português Paulo Alves) que abriu em Dezembro, a cadeia de restaurantes de sushi já é conhecida em Espanha, onde está presente em várias cidades, mas não deixa de ser curioso que conquiste a estrela precisamente na mesma edição em que o grupo perde a que detinha no seu espaço de Madrid.
Na gala, o director internacional dos Guias Michelin, Gwendal Poullennec, considerou que esta edição 2023 do Guia para Portugal e Espanha “ilustra na perfeição a excelência, a criatividade e a audácia do panorama culinário em ambos os países, e o seu crescente e notável compromisso com uma abordagem gastronómica mais sustentável”.
As práticas sustentáveis e a cozinha vegana estão claramente no centro das atenções do guia, como mostra não só a tendência visível nas escolhas do guia, como também, desde os últimos anos, a atribuição da Estrela Verde, que destaca os estabelecimentos pioneiros em gastronomia sustentável. Além dos restaurantes Il Gallo d’Oro, no Funchal, e Esporão, no Alentejo, também o restaurante Mesa de Lemos, em Silgueiros, Viseu, passa a ostentar esta distinção.
Sem qualquer novo duas estrelas, a gastronomia portuguesa passa a ter nesta nova edição mais sete novos restaurantes com o símbolo Bib Gourmand, que na simbologia do guia significa uma boa relação entre qualidade e preço, mas que nos bastidores são já conhecidos como as verdadeiras escolhas dos inspectores, ou seja, aqueles onde vão quando são eles a pagar a conta.
Os sete eleitos estão em Lisboa (Zunzum Gastrobar, Ofício e Carnal), Porto (Gruta e Semea by Euskalduna), Tavira (à Mesa) e Vila do Conde (Rio by Paulo André). Como curiosidade, note-se que com as novidades desta edição os restaurantes Bib Gourmand portugueses passam a ser tantos como aqueles que têm estrelas, 38 em ambos os casos. De notar ainda que com a entrada nesta edição do guia dos seus dois restaurantes do Porto – tem também outro agora no Douro com a Sogrape, na Quinta do Seixo –, Vasco Coelho dos Santos passa de uma espécie de renegado para uma das deferências dos inspectores Michelin.
Na sua intervenção, o director internacional dos Guias Michelin referiu-se ao guia para 2023 como “um grande ano, um ano histórico”, mas estaria certamente a referir-se a Espanha, que viu reforçado o esquadrão dos restaurantes com três estrelas, o galardão máximo, que chega agora a 13, enquanto Portugal continua a zeros.
Os restaurantes Atrio, em Cáceres, e Cozinha Irmãos Torres, em Barcelona, são os novos integrantes do sistema super star, enquanto os novos prémios especiais, que consagram o Jovem Chef (Cristóbal Muñoz , Ambivium, em Peñafiel), o Chef Mentor (Joan Roca, El Celler de Can Roca, em Girona) e Serviço de Sala (Toni Gerez, Castell Peralada, em Peralada) ficaram igualmente em Espanha.
Para o próximo ano, com a organização de um evento próprio em Portugal, talvez o guia tenha necessidade de se debruçar com outra profundidade sobre a realidade da cozinha e a gastronomia nacional e, com isso, dar um maior reconhecimento a mais restaurantes portugueses. A Michelin avançou que o modelo, o local e as datas serão revelados durante o primeiro trimestre de 2023 e que dessa forma quer “contribuir para a promoção de Portugal como destino gastronómico europeu incontornável”. E esta parece ser mesmo uma boa notícia.