Conseguir perceber notícias e informação é “tão importante como saber ler e escrever”
Dia da Literacia Mediática celebra-se esta terça-feira. Investigadores defendem importância de “fazer leituras correctas”. Jovens utilizam as redes sociais como principal fonte de notícias.
Portugal ocupa o 14.º lugar no índice de literacia mediática 2022 de um total de 41 países europeus avaliados no relatório How It Started, How It is Going: Media Literacy Index 2022, da European Policies Initiative (EuPI) e do Open Society Institute — Foundation Sofia (OSI — Sofia), divulgado em Outubro. Esta terça-feira celebra-se o Dia da Literacia Mediática, um marco e um conteúdo “fundamental” nos tempos que correm, como defende a docente da Universidade Lusófona do Porto Maria José Brites, que admite o bom posicionamento de Portugal no contexto europeu ao mesmo tempo que ressalva que “muito se tem feito nesta área”.
“Hoje em dia é tão importante saber ler e escrever como conseguirmos fazer as leituras correctas daquilo que encontramos nos media. Se há algumas décadas essa dificuldade era um pouco mais limitada aos media tradicionais – como a televisão, a rádio e a imprensa, tal como os conhecíamos, e já era difícil –, hoje temos um conjunto de multiplataformas de redes, de propostas em termos mediáticos tão vasta que a dificuldade é muito maior”, desenvolve a também investigadora no Centro de Investigação em Comunicação Aplicada, Cultura e Novas Tecnologias (CICANT).
A mesma opinião é partilhada por Manuel Pinto, professor catedrático em Ciências da Comunicação na Universidade do Minho e primeiro coordenador do projecto PÚBLICO na Escola: “É uma matéria extremamente importante do ponto de vista da cidadania e da democracia.” E, por isso, é importante levá-la aos mais jovens, à escola, tendo em conta os seus interesses e o que os preocupa, sublinha.
“Julgo que pode ser redutor perder de vista que os quotidianos dos jovens e das crianças têm outras dimensões, que não as dos adultos, muito relevantes para o despertar para a literacia mediática que, por ventura, estão a ficar esquecidas”, refere. “Do ponto de vista de motivação para a questão da desinformação, pode ser importante começar por aquilo que os preocupa, que ocupa os seus quotidianos, para poder chegar àquilo que muitas vezes não está no topo da agenda deles, está na dos adultos, mas que é importante de qualquer maneira que esteja na agenda deles.”
Menos interesse pelas notícias e informação
De acordo com o último Reuters Digital News Report, da Reuters Institute for the Study of Journalism, publicado em Junho deste ano, os temas que mais interessam aos jovens relacionam-se com a educação, celebridades e entretenimento. Já justiça social, cultura, lifestyle e saúde mental são tópicos comuns a todas as idades, enquanto os adultos com mais de 35 anos se interessam mais pela política, covid-19 e notícias sobre temáticas internacionais e locais, desporto, ambiente e alterações climáticas.
Ainda de acordo com o relatório, as camadas mais jovens registam uma quebra no interesse pelas notícias e informação em oposição aos adultos. “Cerca de quatro em cada dez menores de 35 anos frequentemente ou às vezes evitam notícias, em comparação com um terço (36%) daqueles com 35 anos ou mais”, lê-se no documento.
No caso concreto de Portugal, notou-se, este ano, uma “grande queda no interesse por notícias”, com uma redução de 18 pontos percentuais em relação a 2021, possivelmente devido ao que alguns viram como um foco excessivo das agendas noticiosas sobre mais uma onda de covid-19 entre Dezembro de 2021 e Janeiro de 2022. Quanto aos mais jovens, apenas um terço dos inquiridos entre 18 e os 34 anos diz confiar nas notícias na maioria das vezes e cada vez mais optam por as evitar.
Sobre o tema e o desinteresse dos mais novos por notícias, Manuel Pinto sublinha que “é preciso começar a ouvir os jovens”. “Se não partimos também do mundo deles estamos a impor-lhes uma agenda e, mesmo que eles participem, percebem perfeitamente que não é aí que eles querem estar, que é uma coisa de outros que lhes está a ser trazida”, reflecte.
É neste contexto que se inserem projectos como o PÚBLICO na Escola, que trabalha na promoção de um maior conhecimento sobre o funcionamento dos media e a literacia a eles associados. Para a professora Luísa Gonçalves, co-responsável pela iniciativa ao lado da jornalista Bárbara Simões, a iniciativa não pretende formar jornalistas, mas, antes, dar-lhes “ferramentas para que sejam capazes de desconstruir a linguagem dos media, os códigos próprios”, explica.
“Acreditamos que mais do que receitas para fazer é fazendo, com todo o apoio que possamos dar e isso também promove uma cidadania mais activa, consciente e mais capaz de evitar que sejamos manipulados, torna-os mais livres de fazerem as suas escolhas”, explana.
Como medir a literacia mediática de um país?
Da literacia mediática fazem parte a capacidade de comunicar através dos media, distinguir os diferentes tipos de conteúdos, conhecer estruturas de produção e financiamento de empresas e plataformas, assim como a forma como funcionam os algoritmos.
Na edição deste ano, o índice de literacia mediática (Media Literacy Index 2022), que coloca Portugal na 14.º posição, avaliou a vulnerabilidade de 41 países às fake news e a fenómenos de desinformação e pós-verdade a elas associados. Para isso foram utilizados indicadores como a liberdade de imprensa, educação e confiança interpessoal. No caso da educação, incluíram-se os resultados dos testes PISA (Programme for International Students Assessment), promovidos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).
O documento destaca os países nórdicos e da Europa Ocidental como os que “têm maior potencial de resiliência” às fake news uma vez que os indicadores como a educação, liberdade de imprensa ou a confiança interpessoal somaram maior pontuação. É assim que surgem no topo da tabela a Finlândia, em primeiro lugar, a Noruega (2.º), seguida da Dinamarca (3.º), da Estónia (4.º), da Suécia (5º) e da Irlanda (6º), com pontuações muito próximas.
Em sentido inverso, estão as nações do Sudeste e Leste europeus, “geralmente mais vulneráveis a efeitos negativos das fake news e pós-verdade, com os media controlados, deficiências na educação e uma menor confiança na sociedade”.
Para o índice, foram identificados cinco grupos de países com características idênticas quanto à literacia mediática — os clusters. O primeiro grupo inclui os países que conseguiram uma melhor pontuação e o quinto os que pior se posicionaram. Portugal foi incluído no segundo cluster, com 61 pontos em 100, no qual estão representados os países com “boa performance”, lê-se no relatório.
À frente de Portugal ficam a Alemanha (9.º patamar), Islândia (10.º), Reino Unido (11.º), Áustria (12.º) e Bélgica (13.º). Imediatamente abaixo posicionaram a Espanha, em 15.º lugar, França (16.º), Lituânia (17.º) e República Checa (18.º).
Já na cauda da tabela, no quinto e pior cluster em termos de desempenho, o último lugar é ocupado pela Geórgia (41.º), antecedido pela Macedónia do Norte, Kosovo, Bósnia-Herzegovina e Albânia.
Confiança nas notícias aumenta com educação
O relatório defende ainda que a “educação [deve estar] antes da regulamentação”. Aliás, “a educação é o caminho necessário, mas longo”. “Como a educação e a consciencialização continuam a ser soluções de longo prazo, medidas regulatórias também são necessárias no curto prazo para enfrentar a erosão da democracia e também os desafios geopolíticos”, lê-se no relatório.
Conforme outros estudos mostram, por exemplo o Eurobarómetro Media & News Survey 2022, “o nível de confiança na distinção entre notícias reais e notícias falsas diminui com a idade e aumenta com o nível de educação”.
Quanto aos hábitos de consumo de notícias, o relatório da Reuters Institute dá conta de que estão a mudar, sobretudo nos jovens. De acordo com o documento, mais de um terço (39%) dos jovens entre os 18 e os 24 anos de idade utilizam as redes sociais como fonte principal de notícias.
O Twitter é a rede social mais utilizada por essa faixa etária para consultar notícias. No entanto, registou um decréscimo acentuado no último ano. Ao mesmo tempo que os mais jovens perdem o interesse no Facebook enquanto fonte de notícias (e a faixa etária dos 25 aos 34 anos se mantém fiel), redes sociais como o Instagram e o TikTok, WhatsApp e Snapchat ganham destaque.
Ao PÚBLICO, Manuel Pinto alerta que é preciso olhar para a informação “com uma perspectiva crítica para que não se tome o mundo tal como ele é pintado nas redes sociais pelo mundo”. E não só nas redes sociais, o mesmo acontece com os videojogos, exemplifica. “Há toda uma corrente que está a utilizar videojogos, por exemplo, para falar de informação. São muitas as lógicas em que a informação que lá circula tem e é preciso ter um olhar esclarecido”, defende.
Maria José Brites admite que, de facto, “as plataformas digitais estão a ter uma preponderância muito grande no consumo de notícias, embora a televisão continue a ser um meio importante de consumo de notícias”. E não só: “No estudo que fiz, algumas pessoas diziam-me que muitas vezes iam buscar as notícias às conversas que tinham com os colegas no intervalo, ou com os pais, por exemplo.”
Já a imprensa escrita (em papel) continua em declínio em Portugal: o número de pessoas que recorrer a este suporte como fonte de notícias passou de 47% para 22% em sete anos. Segundo o relatório da Reuters Institute, a Internet tornou-se a principal fonte de notícias, incluindo também as redes sociais. Esta é a fonte de 79% dos inquiridos e ultrapassou a televisão em cinco pontos percentuais. No entanto, apenas 12% dos portugueses paga pelas notícias online que consome.