Não se podia pedir mais daquela manhã de Outono. Sol, céu totalmente limpo e uma temperatura amena - tão agradável que nem parecia que estávamos na terra que não se livra da fama de ser fria. Estavam reunidas as condições mais do que perfeitas para meter pernas ao caminho, que se anunciava longo. Exactamente 11,7 quilómetros, inflacionados por uns quantos desníveis e mais de um milhar de degraus, mas que nos brindariam com “paisagens de cortar a respiração”. E se é verdade que esta expressão já soa a lugar-comum, neste caso – viríamos a descobrir depois de quase quatro horas de caminhada –, ela pode ser usada com toda a legitimidade. O que nos é dado a observar ao longo dos Passadiços do Mondego é imponente: a harmonia perfeita entre floresta, rochedo e água, num cenário pontuado por cascatas, ribeiras, arvoredo, cascalheiras e ruínas industriais.
Iniciamos a caminhada na porta de entrada da Barragem do Caldeirão, seguindo o sentido recomendado pela Câmara Municipal da Guarda. Para aceder à estrutura de madeira que há-de dominar a aventura – são sete quilómetros só de passadiços –, é preciso contornar parte do rochedo onde se encontra o Miradouro do Mocho Real (geossítio do Geopark Estrela), e descer uns quantos degraus esculpidos na pedra. Se não tiver vertigens, admire a escarpa que se apresenta perante os seus olhos; se não for grande fã das alturas, o melhor é concentrar-se nos degraus.
Já nos passadiços, começamos a descer (e muito), em direcção à cascata da Ribeira do Caldeirão, também conhecida como “cascata Rosa”, por causa do tom rosado e alaranjado das suas rochas. Acredite: vale bem a pena fazer o pequeno desvio em direcção ao miradouro da cascata e apreciar esta queda de água com cerca de 50 metros – é a maior de todo o percurso. Uma espécie de tesouro que, até à abertura dos passadiços, tinha permanecido fora do alcance do grande público, dada a dificuldade em aceder ao local.
Retomamos o percurso na estrutura da madeira - e mais à frente, por caminhos de terra - rumo a outro dos grandes atractivos desta rota: a Ponte de Mizarela, que se acredita que tenha sido construída sobre uma ponte pré-existente romana, atendendo a que no local confluem dois troços de calçada romana, ainda em perfeitas condições. É também a partir deste ponto que somos convidados a prestar mais atenção às margens do Mondego, identificando as ruínas das antigas fábricas de lanifícios que ali operaram – o território esteve fortemente ligado à indústria têxtil –, assim como as antigas estruturas de produção de electricidade, como é o caso da Central Hidroeléctrica do Pateiro.
É precisamente junto a esta central hídrica, inaugurada em 1899, que se encontra o troço de passadiços acessível a pessoas com mobilidade reduzida. São dois quilómetros de extensão (podem tornar-se quatro, com ida e volta) que brindam os visitantes com uma vista ímpar e com a água sempre presente - verdade seja dita, temos o Mondego como som de fundo ao longo de toda a caminhada. Naquela manhã, não estava tão cristalina como é habitual – as chuvas dos últimos dias tinham arrastado a cinza deixada pelo incêndio do último Verão, mas o caudal já começava a normalizar, depois de meses de seca.
Se há parte do percurso que nos ajuda a perceber que estamos em pleno Parque Natural da Serra da Estrela, assim como no Estrela Geopark Mundial da UNESCO, esta é, sem dúvida, uma delas. As escombreiras do Alto Mondego ali estão para o recordar, juntamente com as galerias ripícolas – dominadas por amieiros, freixos e salgueiros - e os cumes das montanhas que tocam o azul do céu.
Pontes suspensas e subidas exigentes
No final do troço acessível a todos, deparamo-nos com a primeira ponte suspensa do percurso (há três, no total), antes de entrar noutra estrutura de madeira que nos conduzirá até ao caminho em terra onde se concentram várias ruínas de fábricas (Engenho do Canada, Engenho do Ribas e Engenho Grande/Fábrica de Marrocos) que fabricaram o afamado cobertor de papa.
Deixamos a visita ao que resta da Fábrica de Marrocos para depois de almoço, uma vez que as pernas já pedem descanso – o GPS do relógio indica uma distância percorrida de sete quilómetros – e o estômago reclama o devido aconchego. A boleia da equipa do serviço de turismo do município da Guarda facilita a logística, permitindo o desvio até ao Restaurante Ponto de Encontro, na aldeia dos Trinta, onde as moelas e o arroz de pato da dona Mena nos enchem de alento para prosseguir caminho, num troço que, segundo percebemos à mesa, divide opiniões: há quem diga que é o mais exigente, por ser sempre a subir; há quem o desminta, assegurando, inclusive, que é o trajecto mais bonito de todos.
Metemos pernas a caminho e, já depois de visitar as ruínas da antiga indústria e deixar o caminho em terra para trás, entramos no último troço de passadiços (que coincide com o trajecto recomendado para as famílias), sem precisar de muito tempo para confirmar que ambas as teses escutadas ao almoço têm a sua razão de ser. A paisagem que nos é dada a apreciar até Videmonte é, efectivamente, muito bonita e a caminhada até esta aldeia de montanha também requer mais alguma força nas pernas.
Quando começamos a avistar a recta final, anunciada por mais uma escadaria imponente, reencontramos o grupo de espanhóis que tinham partido da Barragem do Caldeirão uns segundos antes de nós. São de Fontes de Onor, praticantes assíduos de caminhadas e não hesitaram em dar nota positiva aos novíssimos Passadiços do Mondego.
“Gostei muito do início, a parte da cascata, e agora do final”, confessava Angel Brito, de 65 anos, já depois de ter passado a moldura de madeira que assinala a saída (ou entrada) nos passadiços. Promete voltar, mas para fazer o percurso em sentido inverso. O seu irmão, Julião Brito, de 58 anos, também. “Gostei mais destes passadiços do que esperava”, avaliava o caminhante que já teve também a oportunidade de explorar, em Portugal, os passadiços do Paiva e os do Orvalho. “São todos diferentes, cada um tem o seu encanto”, reparava, sem ousar destacar um percurso em concreto.
Quem parece não ter dúvidas é o presidente da Câmara da Guarda, Sérgio Costa. “Estes são dos passadiços mais bonitos do país e também da Europa”, exaltou, em conversa com a Fugas, destacando o facto de este percurso dar a conhecer a serra da Estrela como nunca ninguém conseguiu.