125 euros não são um Rendimento Básico Universal
O facto de a ideia ser discutida, mesmo que com ligeireza, nas opiniões pública e política mostra que em breve Portugal poderá ter aquilo que Espanha já anda a ensaiar.
A medida do Governo de atribuição dos 125 euros mensais para uma dada generalidade dos contribuintes, a título de compensação pela erosão do poder de compra, levantou as suspeitas de que se tratava de um Rendimento Básico Universal (RBU). Vozes da direita e da esquerda, desde a direita mais distante até à esquerda mais afastada, recuperaram os debates que, sobretudo em fóruns reservados ou nos espaços das academias, o Rendimento Básico Universal vai tendo.
Tendo participado em vários desses debates, nacionais ou internacionais, gostaria de esclarecer que não convém confundir as realidades. A medida proposta pelo Governo português não pode ser considerada uma medida pró-RBU porque falha três critérios básicos de um RBU:
- é temporária e condicionada a uma realidade evolutiva;
- não é universal;
- e, finalmente, não é um rendimento que melhore estruturalmente a qualidade de vida de quem o recebe.
Muitas são as experiências de RBU em redor do globo – desde experiências nacionais, como a mais famosa (a Finlandesa) – até experiências locais, em muitos pontos das Américas, nalguns em África, mas também num número crescente no Sudeste Asiático. Em Portugal, o primeiro ensaio de generalização de um apoio próximo da ideia de um RBU surgiu com o Rendimento Mínimo Garantido cujo nome depois foi mudado para Rendimento Social de Inserção (RSI). Outras figuras tiveram derivações simultâneas (como as atuais figuras da PSI - Prestação Social para a Inclusão), alertando mais uma vez que nenhuma delas deve ser confundida com o RBU.
Nos manifestos eleitorais, gradualmente, os partidos referem RBU. Se antes só os programas dos partidos PAN ou Livre tinham umas linhas claras sobre o assunto, nota-se hoje que a generalidade dos partidos fala sobre o assunto. Inclusive, em diversos programas eleitorais de forças concorrentes nas últimas eleições autárquicas, apareceram linhas para RBU de alcance municipal.
Obviamente, sonhar não costuma ser caro nem complicado. Pois, se quisermos ser sérios, questões sérias têm de ser alçadas – desde os esquemas de financiamento do RBU até às alterações no Estado Social, na perceção do contribuinte e na visão das comunidades. Mas ainda antes dessas, outras questões se colocam num debate sério:
- Os rendimentos universais são um incentivo ou são um desincentivo ao trabalho (e/ou ao lazer)?
- Os rendimentos universais devem comportar porções diferenciadas, distinguidas pela produtividade e pelo rendimento?
- Deveremos esperar ganhos pela redução da miséria, pelo combate às armadilhas do desemprego, à estigmatização ou a não-aceitação?
- Ou antes, levarão a estímulos ao consumo supérfluo (em “croquetes ou bolos?”) e a implicações na sustentabilidade ambiental (consumos exagerados como reação)?
- Serão indutores de inflação ou marcação dos países adotantes como “Países Sopa dos Pobres” (com imigração de empobrecidos e emigração dos mais ricos)?
- Será preferível o RBU ou um estalinista Trabalho Básico Universal?
- Ou deveremos antes preferir um limiar garantido de consumo calórico e de conforto social para todos os cidadãos?
Portanto, enquanto não souberem responder a estas questões, não confundam as coisas. De qualquer modo, a evidência de que a ideia é discutida, ainda que com ligeireza, nas opiniões pública e política mostra que em breve Portugal poderá ter aquilo que Espanha já anda a ensaiar. Nesse aspeto, os tais 125 euros até poderão estar a servir para testar a reação da população quando um dia existir mesmo um RBU em Portugal.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico