O Twitter é agora do Elon Musk e nós somos uns passarinhos
Elon Musk disse ao Financial Times, há duas semanas, a propósito do uso frenético da sua conta pessoal na rede: “Aren´t you entertained?” É isso, estamos altamente entretidos. Somos uns passarinhos.
Há quem se assuste com o Twitter e abandone a rede social. “Aquilo é muito violento para mim” ou “aquilo é um esgoto” é o que ouvimos muitas vezes da parte de quem experimentou mas acabou por fechar a conta ou por deixá-la à deriva.
A primeira coisa que devemos admitir é que – a par de ser uma das melhores formas de ter acesso rápido e direto a informação, investigações, ciência, boa sátira, pensamentos e reflexões políticas – há ali um verdadeiro lamaçal onde as pessoas se sentem à vontade para serem extremamente desagradáveis, mas aqui em sentido rigoroso.
O uso de linguagem ofensiva ou o uso ofensivo da linguagem são corriqueiros nesta rede social. É um facto: milhares de utilizadores da rede usam-na para exprimir e espalhar ódio e quem não usa a ferramenta de bloqueio tem uma oportunidade privilegiada de observar até onde esse derramamento pode ir.
Com todas as falhas que tem, e são várias, não conheço melhor rede social. Quem está integrado no Twitter acaba por estar integrado no mundo. Chamam-lhe, e muito justamente, “a bolha”, porque de facto o que se passa ali inclui apenas uma pequena comunidade, que os utilizadores tendem a tomar pelo todo, mas que não é o todo. Sucede que a bolha é altamente observada e o que se passa ali tem impacto cá fora. No princípio os tweets eram sobre as notícias, mas agora há notícias sobre tweets.
É um laboratório. Ali pode experimentar-se quais os temas que mais interessam as pessoas ou quais os que funcionam como gatilhos. É, também nesse aspecto, de grande utilidade.
Foi isto que Elon Musk comprou por 44 mil milhões de dólares e, segundo o próprio afirmou, não o fez para ganhar dinheiro. Também não tencionará perdê-lo. Do que se sabe, não tem o hábito, ou o gosto, de perder dinheiro.
No início ouvimos que tencionava desencadear um despedimento de cerca de 75% dos trabalhadores da rede. Musk terá entretanto repensado essa estratégia, mas é claro que ela denota a visão que o homem mais rico do mundo tem da força de trabalho. Os níveis de ansiedade de quem trabalha no Twitter devem ter disparado muito mais que o valor das ações.
Musk chegou também a defender a liberdade de expressão na rede como valor absoluto. Para quem está fora do Twitter, defender a liberdade de expressão pode soar a uma coisa positiva. Quem lá está sabe que significa dar cobertura à propagação de fake news, insultos, etc. A liberdade de expressão surge como o oposto do que muitos gostam de chamar politicamente correto ou cultura woke. Talvez agora já estejam mais situados. Esta ideia de Musk não são grandes notícias. Também se fala no restabelecimento da conta de Donald Trump. Não é preciso chamar o Cristóvão Colombo para descobrirmos para onde nos dirigimos.
Neste momento, e só passaram três dias, Musk tem um discurso mais moderado sobre estas estratégias e é fácil perceber que, como os navegadores iniciais, faz uma navegação de cabotagem ou à vista: recua e avança em função das reações e dos indicadores a que terá acesso. O guião que segue não está fechado.
Em maio deste ano, Musk afirmou que o Twitter tinha uma forte tendência de esquerda. Foi em resposta a uma publicação do conservador Mike Cernovich, que acusava a rede social de não agir contra uma conta certificada que fez um tweet no qual desejava que quem era contra o aborto nunca mais tivesse um momento de paz ou segurança.
Não sei se até aqui o Twitter tinha de facto essa inclinação de esquerda. O que é óbvio é que agora foi adquirido por quem não a tem e que Musk não é um homem que se abstenha de fazer transbordar personalidade para os negócios.
A rede social Twitter é agora propriedade de Musk. Não sabemos exatamente quanto notarão os utilizadores que, ao mais alto nível, as coisas mudaram e de forma radical. O que podemos prever é que, ao mais alto nível, pouco ou nada se notará vindo dos utilizadores. E esta previsão, ou constatação, é por certo triste.
É uma rede utilizada sobretudo para o debate político e para a manifestação fulgurosa de indignações com o que se passa no mundo. Às vezes é preciso usar uma lupa para descobrir o objeto da indignação, mas as manifestações são sempre visíveis e até aparatosas. Parecemos grandes lutadores, violentos até, mas na verdade temos um perfil bovino enquanto estamos no Twitter. A prova está à vista: o homem mais rico do mundo comprou a nossa pólis, mas a vida na pólis não se agitou por isso. Elon Musk disse ao Financial Times, há duas semanas, a propósito do uso frenético da sua conta pessoal na rede: “Aren't you entertained?” É isso, estamos altamente entretidos. Somos uns passarinhos.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico