“Maior isolamento social de vítimas e pessoas agressoras” explica em parte subida da violência doméstica

A psicóloga doutorada Íris Almeida coordena o trabalho em Gabinetes de Informação e Atendimento à Vítima como o que existe no Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa.

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Íris Almeida Nuno Ferreira Santos

Mais mulheres foram mortas até Setembro (20) do que em todo o ano passado (quando foram 16), de acordo com os dados do terceiro trimestre de 2022 sobre a violência doméstica. Existe uma explicação para este aumento?
Existem várias. Uma maior propensão para a violência no casal vem já da família de origem, com a exposição à violência, as reconstituições familiares, a distorção daquilo que são relações saudáveis. Mas não devemos esquecer o impacto da pandemia, da situação económica, do maior isolamento social, decorrente da pandemia, tanto de vítimas como das pessoas agressoras.

Houve um aumento de problemáticas da saúde mental e cada vez nos surgem situações mais complexas. As crises reflectem-se numa maior insegurança, o que depois tem impacto nos comportamentos de impulsividade e nos consumos de álcool, de substâncias ilícitas... São pessoas com dificuldade nas estratégias de comunicação, que muitas vezes não conseguem resolver problemas sem ser com recurso à violência. E as pessoas com mais vulnerabilidades, muitas vezes, não conseguem ler os indicadores de risco.

O que pode ser feito?
O caminho terá de passar por não esquecer o contexto mais cultural e social da violência doméstica. Ainda vivemos numa sociedade patriarcal, onde imperam as questões do poder, do controlo, do ciúme, da não aceitação de um filho da relação anterior. São questões ainda muito enraizadas. Nós sabemos que a violência doméstica é transversal, transversal a qualquer classe social, a qualquer tipo de vítima — sejam mulheres, sejam homens, e também no contexto das relações entre pessoas do mesmo sexo.

Sabemos que existe a violência doméstica dirigida às crianças, às pessoas idosas, mas a maior expressividade é a de vítimas do sexo feminino e de pessoas agressoras do sexo masculino. No homicídio na intimidade vemos exactamente os mesmos padrões. Tem muito que ver com a questão cultural. Por isso digo que a prevenção é uma área a trabalhar desde criança, e desde uma fase muito precoce sensibilizar para aquilo que é a violência e o que são as relações saudáveis. A prevenção é um dos pilares fundamentais do combate à violência doméstica e ao homicídio.

A pandemia marcou uma viragem na tendência?
Eu não diria isso porque, antes da pandemia, 2019 foi também um ano em que aumentaram as denúncias por violência doméstica e os homicídios. Depois tivemos um decréscimo das situações. Voltamos agora a um número elevado e não é possível apontar uma só explicação. Mas podemos apontar um caminho.

A prevenção primária e a sensibilização são um trabalho que tem de ser feito, mas de forma continuada. Não basta uma única acção de sensibilização. Na minha perspectiva, temos de trabalhar de forma articulada, não só vítimas, mas também as pessoas agressoras, na mudança comportamental e, se calhar, até na prevenção primária. Nas escolas, temos disciplinas em que estas temáticas podem e devem ser trabalhadas ao longo do desenvolvimento das crianças.

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