Philippe Starck: “O nosso dever na vida é criar”
O designer francês, que vive há alguns anos em Portugal, envolve-se anualmente em cerca de 250 projectos — da Estação Espacial Internacional à Delta.
Foi há quatro anos que a Delta começou a desenvolver uma máquina de café que, como diz o designer francês Philippe Starck, desafia a gravidade: em vez de cair, o café sobe e entra numa chávena especificamente desenhada para o efeito. A máquina foi, segundo o CEO da empresa de Campo Maior, Rui Miguel Nabeiro, fruto de muita investigação, e o sistema — que foi apelidado de RISE (que significa Reverse Injection System Experience) — está protegido de cópias ou imitações por 20 patentes.
“O café é injectado para cima, pelo fundo da chávena, o que intensifica o paladar e os aromas naturais do café e traz ao de cima um creme persistente, mantendo a temperatura ideal”, descreve a marca, em comunicado. De seguida, faltava desenhar a máquina e foi aí que a Delta convidou o designer internacionalmente premiado e que vive em Portugal há varios anos. Philippe Starck é conhecido por objectos como o espremedor de citrinos fabricado pela Alessi ou as cadeiras Louis XIV que fez para a Kartell. Anualmente envolve-se em mais de 250 projectos, diz em entrevista ao PÚBLICO, feita por escrito, por ocasião do lançamento da máquina de café.
A marca alentejana que, com esta parceria, procura entrar com mais força no mercado internacional — actualmente, este mercado representa 35% do volume de negócios do grupo —, não revela o valor despendido com este projecto, mas é “provavelmente o maior investimento, de todos os tempos, da Delta num novo produto”, revela o CEO. A máquina é “made in Portugal” e fabricada na Flama, em Aveiro.
Que briefing recebeu para fazer este projecto?
Tudo começou quando estava a trabalhar num projecto para a Estação Espacial Internacional e testei uns óculos de realidade virtual que se tornaria num simulador da NASA. Então, tive um choque, uma epifania sobre a vida sem gravidade e continuei trabalhando sobre esse tema. Desde então, tenho pensado “fora da gravidade”. Por isso, quando uns meses depois, a Delta me procurou com este projecto revolucionário de máquina — explicando-me que é uma máquina que inverte a gravidade —, aceitei imediatamente.
A empresa apresentou-me o sistema RISE e foi o início de uma bela história. Importante por questões técnicas já que o café não entra em contacto com o oxigénio, esta máquina faz milagres cada vez que tiramos um café. Algo anormal acontece e é fantástico para o cérebro porque somos confrontados com uma surpresa que nos leva a um lugar fora da gravidade.
Qual foi o maior desafio deste projecto?
Foi um grande desafio porque foi incrivelmente complicado, sobretudo para a equipa de desenvolvimento, que é incrivelmente talentosa. Um dos principais desafios desta máquina foi torná-la o mais pequena possível. Uma máquina como esta tem que caber numa pequena prateleira ou num canto. Nos últimos três anos, reduzimos o seu tamanho, milímetro a milímetro. Eu não teria sido capaz de desenvolver algo tão complicado sozinho. Foi um grande esforço de equipa.
Como foi a interacção com a equipe técnica?
Tenho de agradecer aos engenheiros, à equipa de marketing e aos designers, porque são pessoas com vontade de fazer o melhor possível. Nenhuma preguiça. Trabalhámos muitíssimo bem juntos. Esta é uma máquina de café, mas qualquer coisa pode fazer café, no entanto, a alma desta máquina tem a particularidade de fazer o consumirdor feliz da mesma forma que nos fez felizes colaborarmos em conjunto.
Quanto tempo demorou a fazer esta máquina?
Trabalhámos quase quatro anos, milímetro a milímetro, para torná-la o mais pequena e perfeita possível. Depois, entraram em jogo as cores, queríamos que combinassem: preto que é muito chique; branco, muito puro e natural; e o laranja, [que remte para a] terracota e o rústico.
Já tinha feito alguma máquina de café?
Em média trabalho em 250 grandes projectos por ano, que podem variar desde a área espacial a cadeiras de hotel. Isso dá cerca de um grande projecto por dia, mas devo admitir que nunca projectara uma máquina de café. No entanto, seja uma estação espacial, um palito ou uma máquina de café, a filosofia por trás é sempre a mesma: o benefício do utilizador final.
É fácil o processo de trabalho, da ideia à sua concretização?
O meu trabalho é tentar abrir mentes, criar surpresas, tornar os objectos do quotidiano mais interessantes. Para fazer as pessoas pensarem ‘se o café subir assim, então tudo é possível. Se essas pessoas por trás das máquinas de café podem reverter a gravidade, então tudo é possível’. É lindo porque o nosso dever na vida é criar. A única razão legítima para a existência humana é a criatividade.
Quando desenha, procura apenas a beleza ou também a utilidade do objecto?
O design não pode criar vida, não pode salvar vidas, mas se feito com honestidade, pode tentar dar uma vida melhor aos seus utilizadores. O design está relacionado com a emoção e a função. Neste caso, dentro da máquina, há uma coisa maravilhosa que muda a nossa vida – porque quando vemos acontecer algo tão impossível, podemos reflectir: Por que não mudar tudo?