Descentralização na acção social: Porto quer mais 2,8 milhões por ano para assumir pasta

Executivo critica incumprimento do “princípio da neutralidade orçamental” e pede ao Governo que reveja verbas a transferir para o município. Ou que adie, de novo, transferência de competências.

Foto
Processos de RSI e serviços de atendimento e acompanhamento social passarão a ser geridos pelos municípios Manuel Roberto

Feitas as contas, o município do Porto diz precisar de mais 2,875 milhões de euros anuais para assumir as competências na área de acção social, que o Governo prevê transferir para as autarquias em Janeiro de 2023. Numa recomendação ao Governo, aprovada em reunião de câmara nesta segunda-feira, com abstenção do PS num dos pontos do documento, o executivo pede ao Governo que reveja as contas — ou que adie, mais uma vez, a transferência de competências.

O documento, assinado por Rui Moreira, revisita o processo de transferência de competências, iniciado formalmente em 2018, para recordar a promessa por cumprir: a de concretizar a transferência das competências “acompanhada dos recursos adequados”.

Já no início deste ano, tal como tinha acontecido antes, o executivo tinha recusado, de forma unânime, esta transferência de competências. Nessa altura, porém, os valores em cima da mesa eram substancialmente diferentes. Se nesta recomendação a autarquia pede mais 2,8 milhões de euros para avançar, em Fevereiro, partindo de um estudo encomendado à Universidade do Minho, referia serem precisos mais 8,8 milhões.

Das áreas que serão transferidas para o município, as que têm maior impacto financeiro são o Serviço de Atendimento e Acompanhamento Social (SAAS) e o Rendimento Social de Inserção (RSI), diz agora o município. E foi nessas que as contas se concentraram desta vez.

Para o SAAS, foi fixado o montante de 106 mil euros, a transferir anualmente para o Porto. Um valor “muito aquém da que [é] efectivamente investida”, refere o documento: “O valor médio dos últimos três anos apurados corresponde a 758 mil euros por ano, registando-se assim um diferencial de 652 mil euros por ano.” A matemática conduz a uma conclusão simples: “Não está assegurado o cumprimento do princípio da neutralidade orçamental.”

Relativamente ao RSI, neste momento, são geridos pela Segurança Social e entidades com quem esta firmou protocolos “2040 processos familiares” no Porto. Mas em Julho de 2022, segundo informações pedidas pela autarquia ao Instituto da Segurança Social, havia um total de 6224 processos familiares.

“É possível concluir que, de um total de 6224 processos familiares, 2040 estão na gestão das entidades com protocolo RSI e 4184 estão na gestão directa do ISS.IP.” Para dar resposta à gestão de 2040 processos, são necessários “29 técnicos superiores e 22 ajudantes de acção directa” e, para isso, seriam precisos cerca de um milhão de euros anuais.

E o que significa isto? “A Segurança Social está a transferir a actual incapacidade de gestão de 70% dos processos familiares de RSI para o município”, escreveu Rui Moreira. Nesta rubrica, seria preciso um reforço na ordem dos 1,8 milhões, sem contar com os efeitos da crise que já se antecipa e que fará aumentar, “no curto prazo”, o número de agregados abrangidos por esta prestação.

Oposição assina por baixo

As reivindicações não encontraram grandes obstáculos no executivo. Mas Tiago Barbosa Ribeiro quis sublinhar a dificuldade em avaliar o impacto orçamental deste processo, tanto mais que os valores agora referidos, sobretudo em relação ao RSI, não coincidem com os dados antes divulgados. Concordando com a necessidade de uma revisão, o PS absteve-se, por isso, num dos pontos da recomendação.

E trouxe à baila um assunto que Rui Moreira tem dito e reforçado estar mais do que fechado: o diálogo, pediu o vereador, deveria ser feito em parceria com a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), da qual o autarca do Porto decidiu sair em Maio.

“A ANMP, na questão da educação, só acordou quando o município do Porto disse que o rei vai nu. Nesta matéria, ainda não viu que o rei vai nu e eu já sei o que vai acontecer. Lá para Fevereiro, quando acordarem numa manhã de nevoeiro, vão dizer que é um problema”, afirmou Rui Moreira, acusando a ANMP de “opacidade” e “enorme silêncio”.

Considerando que o Ministério da Solidariedade Social não está preocupado com “quanto é que isso vai custar aos municípios”, Moreira disse continuar à espera da resposta da ministra Ana Abrunhosa a uma missiva enviada pela Câmara do Porto há duas semanas.

É um “tema que une” o movimento de Rui Moreira e o PSD, referiu o vereador Alberto Machado: “Estes números traduzem um descalabro financeiro”, lamentou. Ilda Figueiredo, da CDU, declarou a sua votação favorável à recomendação, sublinhando que o processo se resume a uma “transferência de encargos” e não de competências. Maria Manuel Rola, do BE, concordou, sem perder a oportunidade de recordar que este acordo foi “idealizado” entre PS e PSD. O dia 1 de Janeiro como meta para a transferência é “irreal”, referiu a vereadora.

Sugerir correcção
Comentar