Scholz força acordo sobre centrais nucleares com poder do chanceler raras vezes usado

O líder social-democrata protagonizou a primeira vez que um chanceler utilizou formalmente a sua prerrogativa de decidir a direcção política quando não há acordo entre a coligação. Tratava-se de um desentendimento entre os Verdes e o Partido Liberal Democrata.

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O chanceler alemão Olaf Scholz enviou uma carta aos ministros da Economia (Verdes) e Finanças (Partido Liberal Democrata) definindo a linha política que quer ver concretizada CHRISTIAN MANG/Reuters

O chanceler alemão, Olaf Scholz, usou formalmente o seu poder de impor uma direcção política, incumbindo o ministro da Economia e Acção Climática, Robert Habeck, dos Verdes, e o das Finanças, Christian Lindner, do Partido Liberal Democrata, de prepararem legislação para que as três centrais nucleares da Alemanha que ainda não foram desactivadas se mantenham em prontidão e possam funcionar até, no máximo, Abril de 2023, se for necessário por faltarem outras fontes de energia.

O uso da chamada Richtlinienkompetenz, ou seja, a prerrogativa do chanceler de definir a direcção política, é tão raro que é considerado que Scholz é o primeiro chanceler a fazê-lo formalmente, nota a emissora pública ARD.

É um princípio geral, e não regulamentado, e a sua utilização foi muito discutida quando a anterior chanceler, Angela Merkel, ameaçou usá-lo para ultrapassar discórdias na sua coligação acabada de formar em 2005, e na discussão vários analistas disseram que este poder era grandemente “sobrevalorizado”. Como comenta o diário Süddeutsche Zeitung, “a Richtlinienkompetenz faz a força de um chanceler – mas só até ter de a usar”.

Respondendo a um email do PÚBLICO, o professor de Ciência Política da Universidade de Mainz Kai Arzheimer nota que o envio de uma carta por Scholz aos seus ministros com a sua decisão é digna de nota sobretudo por duas razões: “Primeiro, os chanceleres evitaram invocar a Richtlinienkompetenz e têm, em vez disso, ameaçado que iriam aplicá-la para forçar um acordo ou compromisso, já que este é um instrumento mais útil como instrumento de retórica do que um poder constitucional real”, escreveu. Segundo, um chanceler iria “normalmente dirigir-se ao Parlamento e ao público dizendo que, como chefe de Governo, estava a tomar uma decisão mesmo que a questão fosse controversa dentro da coligação, em vez de mandar uma carta formal aos seus ministros”.

Se o ministro da Economia, Robert Habeck, disse que “podia viver” com a decisão, a base dos Verdes não ficou tão contente. O partido acabara, em congresso, de aprovar apenas a continuação de duas das centrais em estado de prontidão e não de três. Ainda foi apresentada uma moção que rejeitava a continuação de uso das centrais, que foi reprovada mas que mostra o descontentamento de parte do partido com esta hipótese.

Por outro lado, os liberais queriam estabelecer um prazo maior do que até Abril de 2023. Christian Lindner, o ministro das Finanças, invocou a sua própria flexibilidade no que diz respeito à política orçamental, pedindo aos Verdes que façam o mesmo no que diz respeito ao nuclear dada a crise energética. Os Verdes dizem que a oposição ao nuclear faz parte do seu ADN e aceitam o prolongamento da vida das centrais apenas como medida de emergência e não como decisão de estender o uso da energia atómica.

Este desentendimento tem sido muito público e marcado o dia-a-dia da coligação, a primeira a nível nacional a juntar o Partido Social Democrata (SPD), os Verdes e o Partido Liberal Democrata, que se apresentou em Dezembro de 2021 como um executivo pronto a levar a cabo uma série de mudanças no país. Pouco depois, a 24 de Fevereiro, enfrentava o desafio de responder à invasão russa da Ucrânia, que levou a uma inversão de algumas das principais fundações políticas do país.

De qualquer modo, Arzheimer sublinha que a Richtlinienkompetenz não é uma espécie de “botão” constitucional que um chanceler possa premir para tomar uma decisão formal. “O que quer que aconteça, os deputados dos três partidos vão ter de chegar a acordo sobre uma lei que o Parlamento possa aprovar.”

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