Grupo de cidadãos insiste na defesa do último reduto na costa alentejana: o parque de campismo da Galé

Foi entregue na Assembleia da República uma petição com 12 mil assinaturas. Os peticionários foram ouvidos por alguns deputados mas saíram decepcionados.

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Cidadãos querem reabertura do parque Nuno Ferreira Santos

Apesar do parque de campismo estar encerrado, há cerca de um ano, a novos campistas e caravanistas, um grupo de cidadãos continua a defender o “último reduto, a Aldeia do Astérix na costa alentejana”, sublinhou ao PÚBLICO Maria Prata. É uma das peticionárias que reclama a reabertura daquele espaço localizado na freguesia de Melides/Grândola e que foi ouvida na Assembleia da República depois de ter sido entregue uma petição com mais de 12 mil assinaturas para que o camping seja reaberto. Mas o encontro acabou por defraudar as expectativas.

Maria Prata e os outros elementos que representavam os mais de 12 mil cidadãos que assinaram a petição expressaram ao PÚBLICO o seu descontentamento pela ausência de deputados do BE e do PCP na audição que decorreu esta tarde no Parlamento, sobretudo porque os primeiros já tinham colocado o problema no plenário da Assembleia da República e o PCP pelo facto da gestão da Câmara de Grândola ser liderada por uma maioria comunista.

Também quatro deputados do PSD e um do PS não transmitiram aos peticionários qualquer indicação ou uma “ponta de esperança” do que poderá fazer a Assembleia da República para defender os interesses dos cerca de 300 residentes, reformados e pensionistas que permanecem no parque de campismo.

“Só a única deputada do PAN é que tinha uma noção elaborada sobre o teor da petição”, realçou Maria Prata em tom crítico. “Dispusemos apenas de 20 minutos para expor as nossas razões em nome de mais de 12 mil pessoas e os deputados presentes nem sequer o trabalho de casa tinham feito”, acusou, realçando “as perguntas descabidas” que lhes foram feitas quando os representantes eleitos “podiam ter feito uma pesquisa prévia” sobre a empresa dona do parque e o que aconteceu.

Resta esperar pelo resultado da discussão que irá ter lugar no plenário da Assembleia da República, em data que não foi possível adiantar.

A descrição que faz das acções entretanto desencadeadas pelo grupo de cidadãos que integra destaca o ambiente de “medo” que impede os residentes que ainda se encontram no interior do parque de campismo de participar nas manifestações que têm sido desencadeadas para que o espaço seja reaberto. Maria Prata explicou que as pessoas ali residentes “continuam a poder aceder ao espaço, mas estão impossibilitados de receber visitas”.

A página online da empresa “Camping Galé”, propriedade da Discovery Land Company, empresa norte-americana especializada em resorts de luxo, é esclarecedora: “Informamos todos clientes que a nossa área de campismo e caravanismo está encerrada para manutenção dos espaços” e que “de momento não são permitidas qualquer tipo de visitas ao parque”.

Nas declarações que prestou ao PÚBLICO, Maria Prata lamenta as “falsas promessas” de reabertura feitas pela Câmara de Grândola “antes da época balnear”. Alguns dos actuais residentes sentem-se “enganados e defraudados”, sobretudo os que adquiriram espaço pouco antes da decisão de encerrar o parque.

Há vários meses que os proprietários do parque garantem estar a proceder a trabalhos de manutenção “mas os residentes dizem que não há qualquer manutenção nem propósito de reabrir o parque”, embora os funcionários da empresa “procurem agradar aos residentes” para evitar a sua participação nas acções de protesto, sobretudo os que não têm contrato de longa duração.

Maria Prata denuncia as práticas de funcionários da empresa gestora que “devastam” o sistema dunar circulando de moto-quatro e afirma que o surfista Garrett McNamara “utiliza o mesmo tipo de transporte para circular na praia da Galé” em acções de promoção da empresa.

O grupo de cidadãos que reclama a reabertura do parque já se manifestou junto ao camping, mas os residentes não participaram no protesto “com receio das consequências'’. “E até já fizemos a ocupação legal da praia”, adianta. Estas movimentações “foram seguidas por drone”, garante Maria Prata, realçando o esforço que é exigido aos cidadãos sem meios para desencadear outro tipo de movimentações.

Não é apenas na Galé que se observam as tentativas de privar o cidadão comum de ter acesso a espaços balneares na costa alentejana. Paulatinamente, e sobretudo no concelho de Grândola, a “privatização” das praias está a decorrer, criando dificuldades de acesso aos utentes “que não têm meios para pagar estadia nos resorts de luxo”, insurge-se Maria Prata, criticando a “falta de protecção social nos acessos às zonas balneares”.

Os promotores do novo modelo turístico que está a ser implantado na costa de Grândola esperam apenas que “sejamos vencidos pelo cansaço”, reconhece Maria Prata.

O parque de campismo da Galé ocupa uma área com 32 hectares e foi comprado, há cerca de um ano, pela empresa norte-americana.

“A Galé enche-me a alma”

Lucrécia Neves tem 77 anos e é a mais velha residente no parque da Galé, onde vive há 36 anos. As sombrias expectativas que pairam sobre o futuro do parque transmitem-lhe uma “angústia permanente que só quem a vive é que a pode entender”, confessou ao PÚBLICO, sem conseguir reter as lágrimas.

“É injusto e imoral o que estão a fazer a cerca de 300 reformados e pensionistas”, acentua, para recordar como tudo começou. A família entrou com uma roulotte e, depois, com autorização dos donos do parque, “fomos construindo uma casinha em madeira”. E assim foi ficando ano após ano, “enchendo a alma no espaço encantador” como todos os que ali viviam e que “sempre amaram o sítio onde vivem”, alimentando amizades e ligações fraternas que se foram transmitindo “de pais para filhos”.

A incerteza em relação ao futuro já levou alguns residentes a sair, mas os que ficam continuam a interrogar-se: “O que é que a administração do parque vai fazer de nós?” Numa reunião recente com um representante da empresa que adquiriu o parque, a incerteza saiu reforçada. “Este ano (2022) está garantida a vossa presença. Para o ano talvez. E depois…” acontecerá o que os residentes intuíram. “São os senhores do dinheiro que falam mais alto e virão apenas por alguns dias no ano quando nós já criamos aqui raízes”.

Lucrécia Neves diz que alguns dos residentes fizeram um percurso pela costa alentejana entre Setúbal e Tróia. “Só se vêm guindastes”, realça, desencantada por estarem a ser vedados ao cidadão espaços que são públicos.

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