Leilão da colecção de arte de Paul Allen pode render mil milhões de euros para filantropia
A Christie’s vai levar à praça mais de 150 obras, de artistas que abarcam 500 anos de história da arte, de Boticelli a Renoir ou David Hockney.
Estimada em mais de mil milhões de euros, a colecção de arte do co-fundador da Microsoft, Paul Allen, que morreu em 2018, vai ser levada à praça em Novembro pela Christie’s, num leilão que promete tornar-se histórico, até pela circunstância invulgar de as receitas serem integralmente destinadas a financiar actividades filantrópicas.
No anúncio do leilão, que terá lugar nas instalações da Christie’s em Nova Iorque, a leiloeira britânica afirma que a venda incluirá “mais de 150 obras que se estendem por 500 anos de história da arte”, mas identifica apenas uma das peças, cuja reprodução ilustra a notícia: La Montaigne Sainte-Victoire, um óleo de Paul Cézanne, realizado entre 1888 e 1890 e com valor estimado em mais cem milhões de euros.
Mas o diário The New York Times cita o director executivo da Christie’s, Guillaume Cerutti, a sublinhar “o facto de [este leilão] abarcar cinco séculos de grande arte, de Boticelli a David Hockney, e o próprio jornal adianta a presença de artistas da Pop Art, como Roy Lichtenstein ou Jasper Johns, este último representado com a obra Small False Start, que poderá render mais de 50 milhões de euros.
O jornal nova-iorquino falou ainda com o responsável pelos departamentos de arte do pós-guerra e contemporânea na Christie’s, Alex Rotter, que adiantou apenas que a colecção de Paul Allen revela “uma visão extremamente focada” e que nela são “dominantes” a paisagem e a figuração.
A confirmar a relevância da colecção está a persistente inclusão de Paul Allen na lista dos 200 maiores coleccionadores divulgada anualmente pelo site ARTnews, na qual figurou durante mais de 20 anos, desde 1997 até à sua morte, em 2018, aos 65 anos, na sequência do reaparecimento de um cancro que lhe tinha sido inicialmente diagnosticado em 2009.
O ARTnews, que já em 2020 profetizara que a colecção de Paul Allen – que deixou a gestão do seu património à sua irmã Jody – não tardaria a ser ser leiloada, descreve-a como um conjunto que atravessa várias épocas da história da arte, “dos mestres antigos aos impressionistas e à arte moderna e contemporânea”.
Uma boa fonte para se ficar com uma ideia mais detalhada da colecção é o catálogo da exposição Seeing Nature, conjuntamente promovida em 2016 pelos museus americanos Portland Art Museum e Seattle Art Museum com a colaboração do próprio coleccionador. Subintitulada Obras-primas da Paisagem da Colecção Paul G. Allen Family, a mostra compunha-se de 39 obras, de artistas de várias épocas, de Brueghel, o Jovem ou Canaletto a Édouard Manet, Claude Monet, Turner, Paul Cézanne, Gustav Klimt, Georgia O’Keeffe, Edward Hopper, David Hockney ou Gerhard Richter.
E na exposição Double Take: From Monet to Lichtenstein, apresentada em 2006 no Museum of Pop Culture, que o próprio Paul Allen fundou em Seattle, foram também mostradas, em emparelhamentos inesperados, várias obras da colecção, incluindo Orchard with Peach Trees in Blossom (1888), de Van Gogh, que fazia par com uma obra de Max Ernst de 1940, ou uma das telas da série Nenúfares, de Monet, associada na mostra a uma obra abstracta de Willem de Kooning.
Conhecem-se também algumas obras específicas que Allen comprou em leilão, como Yellow Over Purple (1956), de Mark Rothko, e Maternidade II (1899), de Paul Gauguin, ambas adquiridas no início dos anos 2000, a primeira por 14,3 milhões de dólares e a segunda por 39,2 milhões. Mais tarde, em 2006, comprou ainda por 40,3 milhões de dólares a Floresta de Bétulas (1903), de Gustav Klimt, num leilão da Christie’s.
Em contrapartida, são poucas as obras que o coleccionador terá vendido. Uma das excepções é Düsenjäger (1953), de Gerhard Richter, uma pintura realista de um avião, que a leiloeira Phillips vendeu em 2016 por 25,5 milhões de dólares.
Espera-se que em Novembro a colecção de Allen possa mesmo bater o preço máximo até hoje obtido em leilão por uma colecção particular. Para tanto teria de ultrapassar o valor recentemente atingido pela colecção Macklowe, cujas 65 obras, vendidas pela Sotheby’s em duas sessões (a primeira em Novembro de 2021 e a segunda em Maio passado) renderam 922,2 milhões de dólares, que então correspondiam a cerca de 885 milhões de euros.
Reunida pelo promotor imobiliário Harry Macklowe e pela sua mulher Linda Macklowe, coleccionadora e administradora honorária do Metropolitan Museum de Nova Iorque, a colecção foi leiloada por decisão judicial quando o casal se divorciou em 2018. E bateu então o recorde de 835 milhões de dólares que fora estabelecido em 2018 pela Christie’s com a venda da colecção de arte de Peggy e David Rockefeller, cujas receitas também foram integralmente destinadas a beneficência.