Na Alemanha, a “situação é tensa” e pode piorar, avisa regulador da energia

Alemães obrigados a reduzir um quinto do consumo de gás. Operadores europeus de redes de transporte energético alertam para a necessidade de salvaguardar já o Inverno de 2024.

Foto
Nord Stream 1 em Lubmin, na Alemanha. A Europa tem acusado a Rússia de usar a energia como arma contra as sanções Reuters/ANNEGRET HILSE

Os alemães vivem desde 23 de Junho em estado de alerta motivado pela ameaça de corte do gás natural russo. Apesar de a segurança do abastecimento estar “estável” e “salvaguardada” no presente, o regulador alemão da energia e telecomunicações, BNA, avisa famílias e empresas que devem estar preparadas para más notícias.

“A situação é tensa e a possibilidade de agravamento das condições não pode ser posta de parte”, lê-se no último ponto de situação publicado pelo BNA, na sexta-feira, 12 de Agosto.

Os fluxos de gás russo do Nordstream 1 (explorado pela estatal russa Gazprom) estão a 20% da capacidade máxima, mas as autoridades continuam a encher os tanques de armazenagem. A nível global, o armazenamento no país está nos 74,39%, mas o reservatório de Rehden, um dos maiores da Europa Ocidental, está apenas a 52,28% da capacidade.

Por força dos cortes no abastecimento, os preços grossistas permanecem “a um nível muito elevado”; por isso, “as empresas e os consumidores privados devem contar com um aumento considerável nos preços do gás”, lê-se ainda na nota do BNA.

Em declarações publicadas este domingo no Financial Times (FT), o presidente do BNA, Klaus Müller, voltou a fazer eco das preocupações das autoridades alemãs, que se debatem com a pior crise energética em muitos anos.

Os alemães foram instados a reduzir em 20% o seu consumo de gás e Müller, que tem em mãos a difícil tarefa de tarefa de decidir quem terá acesso ao gás se for necessário o racionamento, garante que, se a meta de poupança falhar, “há um sério risco de não haver gás que chegue”.

Ao FT, o regulador frisou que a Alemanha necessitará de importar gás natural liquefeito de (GNL) para compensar os volumes russos, mas também terá de recorrer às importações de gás de outros países europeus.

Portugal é um dos países que poderá fazer chegar GNL à Alemanha. Ainda na quinta-feira, depois de o chanceler Olaf Scholz ter defendido a construção de um gasoduto entre Portugal e a Europa Ocidental, o primeiro-ministro António Costa reafirmou que (enquanto não se constrói o gasoduto pedido por Scholz) o terminal de Sines pode ser usado como plataforma logística para fazer chegar GNL ao Norte da Europa (usando embarcações de menor dimensão).

Klaus Müller admitiu que a escassez de gás e o consequente aumento de preços irão pesar sobre a competitividade da economia alemã (o gás representa um terço da energia consumida pela indústria alemã, como a siderurgia, cerâmica e produtos químicos).

O país é considerado o motor da economia europeia, mas estagnou no segundo trimestre e o cenário não é animador: “Alguma produção poderá deixar a Alemanha porque o gás se tornou demasiado caro”, afirmou o líder da agência federal.

No principal mercado europeu de gás, o TTF, os contratos estão a ser negociados em torno dos 206 euros por megawatt hora (MWh), cerca de quatro vezes mais do que os valores registados há um ano, o que não só complica a vida aos clientes, como às empresas que têm de importar e armazenar o gás nestas condições de preço.

Mas essa é uma tarefa que não pode parar, porque é condição para que o país consiga ultrapassar o Inverno (cerca de 40% da energia usada para aquecer as casas é gás natural).

Gás para dois Invernos

Os operadores de armazenamento estão obrigados a garantir um nível de enchimento de 75% em Setembro, de 85% em Outubro e de 95% em Novembro. Se os tanques estão hoje a 74,39% da capacidade, os outros dois objectivos “são muito mais ambiciosos”, referiu Klaus Müller.

Além disso, mesmo que os tanques se encham a 100%, o gás armazenado só será suficiente para cerca de dois meses e meio se a Rússia fechar o gasoduto por completo, e apenas se o Inverno não for demasiado severo.

“Precisamos do suficiente para pelo menos dois Invernos” e “não é uma boa opção esvaziar as reservas [neste Inverno] à conta do próximo ano”, assinalou.

A necessidade de pensar em 2024 foi também um dos alertas deixados num relatório recente da entidade que reúne todos os operadores de redes de transporte de energia europeus, como a portuguesa REN, o ENTSOG. É preciso continuar a encher os reservatórios “ao longo de 2022, para preparar igualmente o Inverno 2023/2024”, refere o relatório divulgado há duas semanas.

Sem a introdução de medidas mitigadoras, como o reforço da cooperação entre Estados-membros, o aumento da capacidade de armazenamento e a utilização mais eficiente destas infra-estruturas, a maioria dos reservatórios europeus vai chegar vazio a Setembro de 2023, considera a entidade.

Além disso, sem uma actuação imediata, os países do Norte, do Centro e da Europa de Leste não terão a capacidade de continuar a encher os tanques para garantir a segurança do abastecimento para o Inverno 2023/2024.

É preciso comprar mais GNL no mercado global e reforçar os terminais a nível europeu, considera o ENTSOG, que identifica ainda entre os problemas europeus a “falta de infra-estruturas” para transportar mais gás de Oeste para Leste, “incluindo França e a Península Ibérica”.

“O facto de, apesar de as interligações existentes estarem a ser usadas à máxima capacidade, a Europa ter falta de capacidade adequada entre o Ocidente e o Leste, está a limitar a possível mitigação do défice de armazenamento de gás para o Inverno de 2023/2024”, sublinha o grupo de operadores de rede.

Efeito sistémico

Na Alemanha, se o pior acontecer já no próximo Inverno, o terceiro passo do plano de emergência – o racionamento –, terá de ser activado. O BNA está a fazer “muito trabalho de detective” para estabelecer quais as companhias que devem ser consideradas prioritárias num cenário desses, frisa Klaus Müller.

É preciso perceber quais são os possíveis efeitos em cadeia de mandar parar uma ou outra indústria. “Se pensarmos em sectores como as embalagens e a logística, trata-se de empresas que fazem recipientes para bens críticos, como a comida e os medicamentos” e que, por isso, também podem ser considerados “sistemicamente relevantes”, tal como o vidro e a cerâmica, exemplificou.

Desejando que esse momento não chegue, a Alemanha, que espera deixar de poder contar com o gás russo no Verão de 2024, vai anunciando medidas de poupança. Uma das mais recentes, deste fim-de-semana, é que os quase 200 mil edifícios públicos do país não poderão ultrapassar os 19 graus no Inverno, de modo a reduzir em cerca de 6% o gás usado para aquecimento.

Sugerir correcção
Ler 21 comentários