“Como é que você vai fazer um espumante da Bairrada com leveduras de Champagne? Podia ser com leveduras da Bairrada”, dizia-nos Luís Pato em Maio. Em vésperas de começar mais uma vindima — e já perceberemos que papel tem ela aqui nesta história de espumantes e leveduras indígenas —, voltámos a falar com o produtor bairradino.
Sim, é verdade, diz-nos. Vai fazer este ano os primeiros espumantes com leveduras indígenas, recolhidas nas suas vinhas, umas de videiras em solo arenoso, outras de solo argilo-calcário. Espumantes de Maria Gomes, de intervenção mínima. Luís Pato é um dos que defendem a utilização de “leveduras nativas”, como também lhes chamam, na convicção de que elas expressam o terroir onde nascem os vinhos e que estes são mais ricos por isso. São as leveduras que usa nos vinhos brancos desde 2018. Nos tintos, “nunca” usou outras que não fossem “as leveduras da vinha”, afiança. Nos espumantes, meteu-se-lhe na cabeça a ideia de que era possível e, em 2021, fez a experiência.
“Normalmente, experimento com umas 50 a 60 garrafas e depois faço uma extensão. Foi aquilo que fiz no ano passado.” Na Universidade de Aveiro, disseram-lhe que “as leveduras indígenas não conseguiam aguentar a pressão da espumantização”, mas Luís Pato gosta de falar do que sabe e o que não sabe tenta saber. “Como sou um coca-bichinhos, no ano passado resolvi experimentar.” O resultado surpreendeu o próprio.
“Senhor Bairrada”
Engenheiro químico de formação, o produtor fez o que no mundo dos vinhos se chama de pé de cuba com mosto de Maria Gomes, uvas colhidas nas tais duas localizações. Comecemos pelo pé de cuba. O que é? “Colhemos uvas na vinha, oito dias antes de começarmos a vindima, porque as uvas têm leveduras, esprememos o mosto que traz essas leveduras. Estimulamo-las, damos-lhes oxigénio, arejamo-las, para elas se multiplicarem. Porque elas se multiplicam enquanto houver oxigénio. É, portanto, fazer a multiplicação natural das leveduras que vêm da vinha.” Ao invés de usar leveduras comerciais, secas, oriundas de outros terroirs.
Ok, e por que é que isso é importante? “As leveduras do argilo-calcário davam um toque de fumado ao vinho e as de solo arenoso dão esse toque de flint [pedra]. Comecei a perceber que, se calhar, as leveduras são formatadas pelo ambiente que as cerca. Há quem diga que as leveduras são todas iguais. São, mas depois aquilo não cheira ao mesmo. A natureza formata tudo o que é vivo, até as leveduras. Ou as enzimas que vêm associadas às leveduras. As enzimas associadas trazem o terroir. Interpreto assim a diferença.”
Os dois espumantes de Maria Gomes com as leveduras indígenas das vinhas de Luís Pato vão ser feitos ainda em 2022 mas só deverão chegar ao mercado em 2023, em duas edições limitadas de 1000 garrafas cada. Pato precisa de “três meses para os fermentar”. Os espumantes não deverão ser DOC Bairrada, porque “para ser Bairrada [o produtor] teria de esperar nove meses” e aquela certificação obriga a esse período mínimo de estágio após engarrafamento.
Serão feitos a partir do tal pé de cuba que o produtor já tem mas vai atestar com mosto desta vindima, cuja previsão de início é o próximo dia 22 de Agosto. Enquadram-se na ideia que o “Senhor Bairrada”, um dos muitos epítetos que lhe atribuem, tem de “fazer vinhos cada vez mais de intervenção mínima”.
Apesar de ir “contra tudo aquilo que os fornecedores” lhe dizem, Luís Pato confia que as leveduras das suas vinhas farão toda a diferença nos seus próximos espumantes. E, por isso mesmo, vai enviá-las “para a Universidade do Minho, para estudo e selecção”. “E quero que seleccionem não uma, mas as que lá estão”, sublinha.
Começou a usar um pé de cuba nos brancos em 2018 com um dos vinhos que faz em homenagem aos netos. Foi o ano em que nasceu Rita e, para essa neta, Luís Pato fez um branco de Cerceal “sem sulfuroso, sem adição de qualquer ácido, sem colagem e sem filtragem”. “É a minha interpretação de vinho natural. Não lhe juntámos nada a não ser as leveduras que vieram da vinha. Juntámo-las em pé de cuba. E, curiosamente, ainda não lançámos no mercado”. É esperar e provar para crer.