A viagem de Mário Ferreira ao espaço gastou “75 toneladas de CO2 por tripulante”, como se diz no Twitter?
O custo ambiental da viagem de Mário Ferreira não é de 75 toneladas de CO2. Apesar de estas viagens poderem ter impacto na pegada ecológica, o foguetão New Shepard não produz CO2.
A frase
Qual é a pegada ecológica da ida do Mário Ferreira ao espaço? Quais são os custos para o planeta das viagens turísticas ao espaço destes milionários? 75 toneladas (t) de CO2 por tripulante.
Esta questão levantada na rede social Twitter suscitou algumas respostas contrárias, incluindo a afirmação de que cada passageiro custa 75 toneladas de dióxido de carbono (CO2).
O contexto
Na última quinta-feira, Mário Ferreira tornou-se o primeiro português a ir ao espaço. A bordo de um foguetão da empresa espacial de Jeff Bezos, a Blue Origin, o empresário e outros cinco tripulantes embarcaram para uma rápida viagem de dez minutos.
A empresa de Jeff Bezos tem estado na dianteira do turismo espacial, tendo completado já seis missões com tripulantes para lá da fronteira dos cem quilómetros de altitude, que delimita a atmosfera terrestre do espaço. Mas uma das questões colocadas com a expansão do turismo espacial é a sua pegada ecológica.
Os foguetões são considerados extremamente poluentes: as emissões de CO₂ para os turistas de um voo espacial serão entre 50 e 100 vezes maiores do que as de um passageiro de avião numa viagem de longo curso. Será este o caso do New Shepard em que viajou Mário Ferreira?
Os factos
Os voos do foguetão New Shepard usam o motor Blue Engine 3, cujos propulsores são alimentados com hidrogénio líquido e oxigénio líquido. Estes propulsores dão a energia suficiente para o foguetão descolar em direcção ao espaço. Todo o foguetão foi desenvolvido para ser reutilizado em voos futuros (incluindo o propulsor, a cápsula ou o motor). Também o foguetão Falcon 9, da SpaceX de Elon Musk, é reutilizável, o que, além de poupar dinheiro, evita mais lixo no espaço. Este é um dos créditos reclamados pela empresa de Jeff Bezos. Ao longo do voo, o motor de combustão produz vapor de água e alguns pequenos produtos da combustão, sem ter teoricamente qualquer emissão de carbono – já que é alimentado a hidrogénio e oxigénio.
No entanto, a queima do propulsor do foguetão produz uma grande quantidade de vapor de água – e isso não é bom para a atmosfera, uma vez que o vapor de água é um gás com efeito de estufa. Embora o voo do New Shepard seja dos mais eficientes, quando comparado com outros voos de turismo espacial, também pode causar problemas.
Como refere Eloise Marais, investigadora em poluição atmosférica da Universidade College de Londres (Reino Unido), todos os foguetões são uma ameaça à camada de ozono. “Na estratosfera, os óxidos de azoto e produtos químicos formados a partir da separação do vapor de água convertem o ozono em oxigénio, esgotando a camada de ozono que protege a vida na Terra contra a radiação ultravioleta. O vapor de água também produz nuvens estratosféricas que são uma superfície para que essa reacção aconteça a um ritmo mais rápido do que seria normal”, escreveu a investigadora em 2021 no site The Conversation.
Todos estes factores afectam o clima e contribuem para as alterações climáticas. Em termos globais, estamos mais perto do número de lançamentos espaciais por ano que pode ter efeitos nocivos que venham a competir com outras fontes da crise climática, como os clorofluorcarbonetos (CFC) e o CO2.
Um relatório de 2018 do Centro para Políticas e Estratégia Espacial, um centro de investigação norte-americano, notava que “as emissões de foguetões têm um impacto inerente na estratosfera de uma maneira que nenhuma outra actividade industrial faz.” Há dois meses, um dos autores (Martin Ross) escreveu um novo artigo científico na revista Journal of Space Safety Engineering em que alertava para a necessidade de uma nova política regulatória que reconheça o crescimento dos voos espaciais (e das suas emissões).
Outro aspecto relevante é a extracção de hidrogénio líquido, já que a maioria ainda é produzida a partir de combustíveis fósseis. A Blue Origin assegura, ainda assim, no seu site que o hidrogénio e o oxigénio utilizado são limpos.
Em suma
A afirmação de que a breve viagem de Mário Ferreira (ou outras anteriores deste foguetão) custam 75 toneladas de CO2 por tripulante é falsa. A viagem não emitiu CO2, já que o motor do foguetão queima hidrogénio e oxigénio.
Isto não implica que estas viagens estejam isentas de poluição ambiental, já que o vapor de água também contribui para a destruição da camada de ozono e o aumento do número de voos espaciais (não só da Blue Origin) poderá estabelecer mais uma fonte de alimentação para as alterações climáticas.