Para viajar na CP, pessoas com mobilidade reduzida ainda têm de avisar (seis horas) antes — comboios não foram pensados para elas
Uma pessoa com deficiência que queira viajar na CP tem de fazer um requerimento para garantir que consegue entrar no comboio. A empresa justifica dizendo que, à data da construção das linhas e dos comboios, estas questões não eram tidas em conta. E garante estar a trabalhar para mudar o cenário.
Uma avaria no carro fez com que Pedro Bártolo tivesse de optar por viajar de comboio. A decisão foi tomada por causa de um imprevisto e, por isso, “em cima da hora” de partida — uma referência temporal que, no seu caso, não significa alguns minutos antes da viagem, mas sim horas. É que Pedro, 31 anos, é utilizador de cadeira de rodas e, segundo as regras da CP, deve avisar a empresa com seis horas de antecedência que vai viajar.
“A conversa na bilheteira ou ao telefone é sempre a mesma. Disseram-me que tinha de avisar com antecedência, eu expliquei que era impossível avisar com seis horas de antecedência se a avaria no meu carro tinha acontecido há duas”, conta. “Disseram-me que iam tentar avisar [o revisor] e comunicaram que o fizeram, mas, na plataforma, o revisor não estava informado e até disse que tinha tido sorte por me ter visto, caso contrário, ia ficar em terra”, continua.
Para a viagem de regresso, Pedro avisou nove horas antes que iria viajar: “Mais uma vez voltaram a dizer que era um problema, que não podiam garantir a assistência e que seria contactado nesse sentido, mesmo depois de já ter adquirido o bilhete.”
A assistência em questão consiste em disponibilizar meios físicos, por exemplo, plataformas elevatórias para que os passageiros consigam aceder ao comboio, mas também recursos humanos, para “assistência no embarque, durante a viagem e desembarque”.
Para isso, as pessoas com mobilidade reduzida devem, segundo o site da CP, requerer obrigatoriamente o serviço SIM (Serviço Integrado de Mobilidade), que pode ser feito por telefone ou através do preenchimento de um formulário. Depois de recebido e analisado, a CP entra em contacto com o requerente para informar sobre “a possibilidade ou não de prestar o SIM”: “Qualquer pedido carece sempre de análise e confirmação, sem a qual a CP não garante a prestação do serviço”, avisa o site.
Um processo que Pedro considera, no mínimo, rudimentar: “Parece-me que não seria assim tão complicado haver um processamento automático desse pedido e, se há uma compra de um bilhete com mobilidade reduzida, a assistência teria de estar garantida por natureza”, atira. Mas não é isso que acontece.
Sobre o assunto, a CP refere que, “desde 2005, aplica uma política de atenção especial aos cidadãos que pretendem utilizar o comboio, mas têm uma limitação de acessibilidade, permanente ou temporária”. Explica que desde que o serviço SIM foi criado sofreu várias alterações, nomeadamente no tempo de antecedência da requisição do mesmo. “Inicialmente, a antecedência para a requisição era de 48 horas, foi reduzida para 24, depois para 12 e, desde Junho de 2022, passou a ser de seis horas.”
O prazo de seis horas, explica, “acontece devido à diversidade das condições em que a CP tem de operar, quer em termos do material circulante (comboios) disponível quer das estações, que têm também especificidades próprias, nomeadamente na acessibilidade da plataforma para o comboio”. Refere que, por exemplo, “as condições de embarque e desembarque de um cidadão que utiliza cadeira de rodas podem ser diferentes na estação de origem e destino da viagem, sendo necessário operacionalizar as condições para esse efeito”.
A CP realça ainda que “o parque de material circulante de que a CP dispõe é de tipologias e idades muito diversas e foi construído em épocas nas quais estas necessidades não eram previstas, motivo pelo qual existe a necessidade de encontrar soluções de adaptação à realidade actual”. É ainda preciso, por isso, muita preparação logística para receber um passageiro com deficiência.
O que, para Pedro, é “chocante”. Diz já ter utilizado plataformas elevatórias e não haver “propriamente muita ciência”: “No meu caso, até conseguiria fazer de forma completamente autónoma se o botão fosse na parte exterior da carruagem. Quando viajei no estrangeiro, era assim. Não era sequer uma plataforma elevatória, era uma rampa.” Afinal, a falta de condições estruturais da actual linha e equipamentos ferroviários fazem com que uma pessoa com deficiência não possa “viajar sem pré-aviso” — simplesmente chegar à estação e embarcar.
Pedro lamenta a existência da “presunção de dependência e até menorização da pessoa com deficiência”, mas a CP diz ser “uma empresa verdadeiramente inclusiva”, apontando medidas como os tarifários especiais para passageiros com deficiência; um “permanente diálogo com a Infra-Estruturas de Portugal, procurando soluções que permitam maior acessibilidade aos comboios”; e ainda o apoio do conselheiro para o cliente com necessidades especiais — que a empresa criou para “assessorar em práticas que defendam e promovam necessidades especiais” — e do conselho consultivo das pessoas com necessidades especiais, que integra diferentes associações.
Termina dizendo que “continua a trabalhar com o objectivo de reduzir ainda mais este prazo e prosseguir o esforço de melhoria das condições de acessibilidade aos seus comboios” — para que, como deseja Pedro, “um simples aviso na estação seja suficiente para viajar”.