Discurso racista de Orbán leva assessora de longa data a demitir-se
O primeiro-ministro húngaro disse que os húngaros não devem tornar-se numa “raça mista”. Sobreviventes do Holocausto condenaram as palavras de Viktor Orbán.
Uma das assessoras mais próximas do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, demitiu-se na sequência do recente discurso do líder ultranacionalista em que se insurgiu contra a “mistura entre raças” na Europa.
Grande parte da carreira política de Orbán, que está na chefia do Governo húngaro há mais de uma década, deve-se às posições crescentemente extremistas que tem vindo a adoptar, sobretudo em temas relacionados com as migrações ou a identidade de género. No entanto, as declarações proferidas no último sábado parecem ter chocado até quem o conhece de forma próxima.
Zsuzsa Hegedus, assessora de longa data de Orbán, e de quem chegou a dizer ser amiga há mais de vinte anos, apresentou a demissão do seu cargo e publicou na terça-feira uma carta em que acusa o primeiro-ministro de ter feito um discurso “digno de Goebbels”, o artífice da propaganda da Alemanha nazi.
Em causa está um excerto do discurso de Orbán no último sábado durante um encontro anual em Baile Tusnad, uma localidade na Roménia conhecida por historicamente ter uma grande comunidade de húngaros, em que diz que os húngaros não se querem misturar com outras “raças”.
“As pessoas que vivem na Europa deslocam-se, trabalham, mas não são povos misturados. Estamos disponíveis para nos misturarmos uns com os outros, mas não nos queremos tornar numa raça mista”, disse Orbán.
Não é a primeira ocasião em que o primeiro-ministro húngaro defende posições abertamente racistas em público. Na verdade, a defesa de uma alegada “pureza” do povo húngaro em contraponto com o multiculturalismo – que na visão de Orbán é definido como um “travesti ideológico da esquerda internacionalista” – tem sido um pilar fundamental das políticas implementadas pelo Governo liderado pelo Fidesz desde 2010.
Porém, para Hegedus, as palavras de Orbán cruzaram um limite que a assessora, conhecida por defender o primeiro-ministro de inúmeras acusações de anti-semitismo e racismo no passado, não consegue mais tolerar. “Não percebo como é que não reparou que o discurso proferido é uma diatribe puramente nazi digna de Joseph Goebbels”, afirmou na carta publicada por um site de notícias húngaro. As demissões no círculo próximo de Orbán não têm sido comuns desde que o Fidesz é dono de uma supermaioria no Parlamento que lhe tem permitido governar sem entraves.
O gabinete de Orbán publicou uma resposta a Hegedus, rejeitando as acusações de racismo. “Não me pode acusar seriamente de racismo depois de vinte anos de trabalho em conjunto. Devia saber melhor que ninguém que o meu Governo respeita uma política de tolerância zero tanto em termos de anti-semitismo como de racismo”, disse Orbán.
Antes, perante uma série de críticas ao teor do discurso, o porta-voz do primeiro-ministro, Zoltan Kovacs, já tinha censurado os órgãos de comunicação por terem “hiperventilado por causa de algumas frases mais duras sobre imigração e assimilação”.
O Comité Internacional Auschwitz, que reúne sobreviventes e familiares de vítimas do Holocausto, condenou as palavras de Orbán, considerando-as “estúpidas e perigosas”.
A Federação de Comunidades Judaicas da Hungria manifestou preocupação com as declarações do primeiro-ministro e pediu uma reunião urgente com Orbán. “Tendo por base as nossas experiências históricas e as histórias das nossas famílias, é importante que levantemos a nossa voz contra expressões da vida pública húngara que sejam permeáveis a mal entendidos”, afirmou o grupo que representa a maioria dos quase cem mil judeus que vivem actualmente na Hungria.
Pouco depois do discurso, o rabi Robert Frolich publicou no seu perfil do Facebook a seguinte mensagem: “Com dois pés, trabalhando, falando e, por vezes, pensando, existe apenas uma raça no planeta: o Homo Sapiens Sapiens.”
Para além das considerações acerca da miscigenação na Europa, Orbán também criticou a estratégia da União Europeia de apoio à Ucrânia na resistência à invasão russa. O objectivo dos europeus, afirmou, devia concentrar-se em “obter uma boa proposta de paz em vez de vencer a guerra”.