Kais Saied: será o rígido ‘RoboCop’ o próximo ditador da Tunísia?
Professor de Direito Constitucional, era um político inexperiente quando venceu as eleições de 2019. Desde então, reverteu quase todos os progressos democráticos feitos na Tunísia depois da queda de Ben Ali.
Cada perfil do Presidente da Tunisia, Kais Saied, parece começar com perguntas: o homem que vai salvar ou destruir a democracia do país? Herói populista ou demagogo? Desde que suspendeu o Parlamento e afastou o primeiro-ministro, há um ano, e que ganhou agora o referendo que lhe dá poderes alargados, teme-se mais que seja a segunda hipótese.
O que é espantoso é como o antigo professor de Direito, conhecido pelo estilo solene, por falar um árabe clássico e formal, e por um rigor que o faz proclamar nunca ter faltado um dia ao trabalho, tudo características que lhe valeram a alcunha de 'RoboCop', se tornou tão popular. E como um homem sem experiência política passou de vencer as presidenciais de 2019 para, menos de dois anos depois, superar os seus rivais políticos, levando a cabo uma acção inesperada que foi o início de um caminho para uma conquista de um poder com cada vez menos limites.
Inicialmente, a acção foi até saudada por muitos que viam no Parlamento a representação de uma classe política corrupta e entretida com lutas entre si, responsável pela falta de progresso do primeiro país das primaveras árabes, e o único em que a democracia se manteve. Saied foi a pessoa que agiu para “corrigir a disfunção”, dizem os seus apoiantes.
O facto de ter um estilo de vida modesto, viver no mesmo bairro de classe média em que vivia antes de ser presidente, e de dizer ser do povo, agrada a muitos e quebra o que é habitual na política da Tunísia.
No plano simbólico, Saied mudou a data em que o país comemora a revolução: já não a da queda do ditador Ben Ali, a 14 de Janeiro, mas sim a da imolação do vendedor ambulante Mohamed Bouazizi, por uma vida digna, a 17 de Dezembro.
Mas não é claro se o apoio, que também conquistou com esta mensagem de proximidade aos mais pobres, se manterá à medida que a crise económica da Tunísia se aprofunda.
As fotografias de Saied nos seus perfis oficiais nas redes sociais mostram-no muitas vezes atrás da secretária a falar, parecendo dar uma aula, ou um sermão, a um grupo de subordinados, nota a agência Reuters. É este estilo que os que o criticam temem que tenha sido fixado na nova Constituição.
Saied era conhecido por, enquanto professor de Direito Constitucional, exigir pontualidade rigorosa e silêncio absoluto. Uma das suas antigas alunas contou ao New York Times como o actual Presidente era quase lendário pela sua inflexibilidade, mas também pela sua voz grave e pelo discurso arcaico.
Como é que o professor que defendia o respeito rigoroso pela Constituição acaba a mudá-la de modo tão profundo? Qualquer que seja a resposta, uma análise do Carnegie Endowment for International Peace apontava que Saied conseguiu, com ou sem respeito pela Constituição, reverter quase todos os progressos democráticos que os tunisinos conseguiram desde a revolução de 2010-11.