Novo aeroporto: ambientalistas surpresos e à espera de mais explicações

Associações admitem precisar de mais informação, mas dizem não compreender o anúncio de uma nova Avaliação Ambiental Estratégica ao mesmo tempo que já se diz qual é a solução que vai avançar. E lembram que há uma acção a correr em tribunal.

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O aeroporto do Montijo pode comprometer um habitat único de mais de 200 mil aves Nuno Ferreira Santos

As associações ambientalistas que mais se têm pronunciado sobre a intenção de instalar um aeroporto no Montijo mostram-se estupefactas com as notícias divulgadas esta quarta-feira, de que o Governo pretende acabar com a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) em curso e entregar uma nova ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), ao mesmo tempo que diz que quer começar com as obras no Montijo daqui a cerca de um ano. “Nem sei o que hei-de dizer”, admite Domingos Leitão, da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA). “É preciso esclarecer primeiro qual é o teor desta decisão”, diz Francisco Ferreira, da Zero.

As duas associações, outras seis que as acompanham numa acção que interpuseram em tribunal pedindo a nulidade da Declaração de Impacto Ambiental (DIA) para a instalação de um aeroporto civil no Montijo, e a Quercus estavam a preparar uma declaração conjunta que deve ser divulgada ainda esta noite, mas, para já, dizem precisar de mais informações. Porque o que veio a público, dizem, é pouco esclarecedor.

“Lamento que os decisores deste país ainda não tenham percebido que esta é uma decisão política, mas que tem de ser fundamentada tecnicamente. E enquanto não perceberem isso, andamos a enrolar. Tomam todos os portugueses por gente pouco letrada. O tempo de dizerem que se faz ali e irem estudar essa opção a seguir já passou. Primeiro tem de se estudar, fazer a avaliação e comparar todas as alternativas possíveis, senão, estão a cumprir uma formalidade, mas a AAE não cumpre a sua função”, defende Domingos Leitão.

Francisco Ferreira reitera que para a Zero continua a ser fundamental que exista uma AAE bem feita antes de se tomar qualquer decisão. “Reafirmamos que, no nosso entender, tudo tem de estar em aberto em termos de localizações, deve haver uma definição de âmbito, deve haver uma discussão pública. Se essa AAE for desenvolvida por uma entidade que achamos independente, como o LNEC, certamente, achamos que é uma boa possibilidade. Mas é preciso perceber os pormenores, esclarecer exactamente quais são as intenções do Governo. Qualquer decisão que vá contra o que é o respeito pela legalidade da decisão de uma infra-estrutura destas, que passa por fazer uma AAE e depois decidir o caminho a seguir, é pura e simplesmente, na nossa perspectiva, ilegal e inaceitável”, diz. E acrescenta: “Sejamos claros, em relação ao Montijo há uma unanimidade das principais associações de ambiente de que aquela área não é viável e, portanto, vamos obviamente decidir, se for esse o caminho a seguir, os passos a dar.”

Também o biólogo José Alves, que tem sido, desde o início, uma das vozes mais críticas deste processo, se mostra admirado com o anúncio do ministro Pedro Nuno Santos. “Parece-me um bocado precipitado, num momento em que decorre um processo em tribunal em relação à DIA do Montijo, fazer declarações de que vai estar um aeroporto ali a funcionar em 2026. Por outro lado, a opção Alcochete continua sem DIA válida, porque a que havia caducou”, avalia, admitindo que precisa de mais informações para clarificar as muitas dúvidas em torno do processo.

O investigador lamenta que esta decisão surja numa altura em que se discute a defesa dos Oceanos em Lisboa e Francisco Ferreira alude à emergência climática para criticar o Governo de António Costa. “O Governo parece esquecer-se que temos compromissos climáticos, que estamos numa emergência climática, que o turismo não pode ser o único investimento a fazer em Portugal. Aquilo que se disse, nomeadamente da parte do Governo e de muitos interlocutores no início da pandemia, parece pura e simplesmente esquecido. Não podemos falar de sustentabilidade de um país quando apostamos tudo num sector que tem as suas fragilidades e põe em causa objectivos de ordenamento do território ou de biodiversidade”, diz.

As notícias vindas a público esta quarta-feira dão conta de que o Governo pretende ter o aeroporto do Montijo a funcionar já em 2026, entrando um novo aeroporto em Alcochete em funcionamento em 2035. Nessa altura, o aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, deveria encerrar.

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