Morreu José Eduardo dos Santos, ex-Presidente de Angola, aos 79 anos
Deixou o poder em 2017, ao fim de 38 anos, o que ainda hoje o torna um dos chefes de Estado que mais tempo ficou no poder em África.
O ex-Presidente de Angola José Eduardo dos Santos morreu esta sexta-feira aos 79 anos, num hospital em Barcelona, onde estava internado desde 23 de Junho depois de sofrer um acidente vascular cerebral (AVC). A notícia foi avançada pela Presidência de Angola, num comunicado publicado na sua página de Facebook. Há vários anos que o político angolano vinha recebendo tratamento ao cancro de que padecia na cidade espanhola, o que o levou mesmo a mudar-se de Luanda em 2019, quase dois anos depois de deixar a presidência.
Chefe de Estado durante 38 anos, ainda hoje um dos que mais tempo ficou no poder no continente africano, Eduardo dos Santos foi gerindo o seu silêncio desde que deixou a presidência, mesmo quando os seus filhos se viam a braços com a justiça, eram afastados dos negócios ou dos círculos do poder, assim como alguns dos seus principais aliados, naquilo que muitos viram como perseguições políticas do seu sucessor, João Lourenço.
Em Setembro de 2021, regressou a Angola e continuou sem intervir publicamente (aliás, essa foi uma das características do seu tempo no poder, parcas declarações, poucas entrevistas e discursos escritos) e foi mesmo João Lourenço que o foi visitar em Dezembro à sua residência. Um encontro classificado pelo actual Presidente como um “gesto dentro do espírito de Natal”, mas que foi visto como uma tentativa deste para acalmar o MPLA, transmitir uma ideia de unidade com vista às eleições deste ano, que se prevêem um grande teste para o partido que domina Angola desde a independência.
Na altura, João Lourenço afirmou ao Financial Times que “o facto de José Eduardo dos Santos ter voltado é bom para toda a gente, não apenas para a nossa relação, mas bom para o país, bom para o partido”.
De acordo com o Jornal de Negócios, Eduardo dos Santos, terá sofrido um AVC há duas semanas e foi internado numa unidade de cuidados intensivos, depois de o seu estado de saúde se ter debilitado muito, desde que regressou a Barcelona a 7 de Março, por causa de uma depressão e perda acentuada de peso, estando com pouco mais de 50 quilos.
A sua morte marca o fim de uma era em Angola. Escolha pouco óbvia para suceder a Agostinho Neto, o carismático líder do MPLA e primeiro Presidente de Angola quando este morreu em Moscovo, a 10 de Setembro de 1979, durante uma operação por causa de um cancro de fígado, José Eduardo dos Santos, engenheiro de petróleos formado em Baku, capital do Azerbaijão, na altura uma das repúblicas soviéticas, revelou-se como um mestre da arte dos equilíbrios.
Como disse o antigo primeiro-ministro angolano Marcolino Moco ao jornalista do PÚBLICO Nuno Ribeiro, “o culto de personalidade de Agostinho Neto nunca previu a morte de quem dirigia. Após o seu falecimento num país problemático com três movimentos [MPLA, FNLA e UNITA] que representavam três realidades político-ideológicas irreconciliáveis, José Eduardo dos Santos aos 37 anos foi escolhido porque tinha menos anticorpos e era representativo da etnia kimbundu, a matriz do MPLA”.
O então ministro do Planeamento e Desenvolvimento Económico de Angola, tímido e de poucas palavras públicas, escolhido por ser negro quando Lúcio Lara, o sucessor natural de Neto se auto-excluiu por ser mestiço, e exactamente por, aparentemente, não representar uma ameaça aos poderes dentro do Movimento Popular de Libertação de Angola, acabou por se revelar um homem com vocação, capaz de gerir egos e ambições de generais e quadros com uma quota-parte de intrigas palacianas, uns bons serviços secretos e dando a vários a possibilidade de enriquecimento empresarial, com acesso a acordos favoráveis com o Estado, monopólios e intermediações. Capacidade que lhe permitiu manter-se no poder durante quase quatro décadas até se ver obrigado a ceder, já debilitado pela doença e por uma crise económica que ainda hoje se sente no país.