Seca e desertificação: combate ou adaptação?
Adaptemo-nos, pois não há inimigo a combater senão nós próprios.
A 17 de junho de 2022 comemora-se o Dia Mundial de Combate à Seca e Desertificação – o dia em que a convenção homónima das Nações Unidas foi adotada, em 1994.
A expressão “combate” foi utilizada no contexto da luta travada sobretudo em África para fazer face ao avanço do deserto do Sara, em particular na região do Sahel. No entanto, ela evidencia uma abordagem de conflito entre Homem e Natureza, em que aquele quer e espera prevalecer.
Atualmente, no contexto das alterações climáticas, faria todo o sentido substituir essa expressão combativa pelo conceito de adaptação – o mesmo com que o mundo, mais recentemente, tem reconhecido a melhor forma de garantir a sustentabilidade da vida na Terra.
De facto, a desertificação resulta da utilização abusiva dos recursos naturais, nomeadamente do solo, da água e da biodiversidade. Se a humanidade tiver a capacidade de se adaptar ao potencial produtivo destes recursos sem os exaurir, então a sustentabilidade será mais longa. Caso contrário, será ela a pagar – tendo por preço fomes, doenças e outros graves impactos dessa degradação degenerativa.
O “combate” à desertificação de pouco vale se continuarmos a intensificar a produção agrícola, a contaminar as águas, a esgotar os solos e a eliminar a biodiversidade. O equilíbrio da atual atividade agrícola (e silvo-pastoril), com os recursos naturais que a sustentam, ditará o futuro imediato das pessoas, em particular daquelas que vivem nas áreas de maior risco de desertificação, como é o caso da maior parte do território continental português.
Também face às secas a palavra-chave deve ser adaptação. As secas são fenómenos naturais, que na região mediterrânica se têm agravado devido às alterações climáticas, e sobretudo à crescente vulnerabilidade societal que resulta da contínua expansão dos consumos e sistemas de abastecimento de água. Se não nos adaptarmos à escassez e variabilidade que o regime de precipitação tem no nosso país (e em particular na região Sul), iremos aumentar o risco de ficar sem água nas torneiras. Se em média temos dez, quer dizer que há anos que temos 15 e anos que temos cinco – e não podemos regar nove todos os anos, esperando que a água nunca falte. A agricultura deveria (e poderia?) pagar seguros como outras atividades, mas não há seguro que garanta a chuva que pode não cair.
Adaptemo-nos então, pois não há inimigo a combater senão nós próprios.
Neste mês de junho, celebram-se também os 30 anos da Conferência da Terra das Nações Unidas (Rio de Janeiro, 1992), onde os países assumiram a tarefa de conciliar os três pilares do desenvolvimento (ambiental, social e económico) de forma a garantir a sua sustentabilidade. É uma promessa por cumprir, que justifica a nossa visão de um mundo onde pessoas e natureza vivam em harmonia. Por muitos e longos anos.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico