This Is Us, estes também somos nós

This Is Us, que em breve chega ao fim em Portugal, mostra-nos como é possível uma série de sucesso incluir na narrativa uma personagem com deficiência sem reforçar estereótipos.

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A série This is Us chega em breve ao fim em Portugal NBC/DR

Após seis temporadas, a série This Is Us chegou ao fim nos Estados Unidos. Em Portugal, onde é exibida na Fox Life, acabará muito em breve também. Quem tem acompanhado esta comédia dramática de sucesso, que narra a vida da família Pearson – composta pelo apaixonadíssimo casal Jack e Rebecca, pais dos trigémeos Kate, Kevin e Randall –, não precisa ter medo de ler esta crónica até ao fim. Não há aqui spoilers dos últimos capítulos. O meu objectivo é outro: falar de como é possível uma série de sucesso incluir na narrativa uma personagem com deficiência sem reforçar estereótipos.

This Is Us mostra o trajecto de uma pessoa com deficiência visual, do nascimento à vida adulta, como poucas vezes se vê na televisão. Após enfrentar problemas de infertilidade, Kate Pearson e o marido, Toby Damon, recorrem a um método de procriação medicamente assistida. O bebé, que nasce muito antes do previsto e com retinopatia da prematuridade, recebe o nome do avô, falecido após um incêndio: Jack. Após a surpresa inicial com o diagnóstico, Kate faz o que tem de fazer: começa a ler sobre o tema, fala com profissionais para perceber como apoiar o filho, ajusta rotinas familiares e segue a vida em frente. O objectivo é só um: adaptar o ambiente para que Jack possa crescer seguro e feliz, rodeado por pessoas que encorajam a auto-estima e a autonomia.

Como a série organiza a narrativa em várias linhas temporais, temos oportunidade de ver Jack não só enquanto bebé, mas também criança, adolescente e adulto. Há um capítulo da quarta temporada em que Jack está a preparar-se para entrar num concerto a solo num grande auditório. Estes flashes do futuro permitem que o espectador perceba que Jack se tornou um cantor de sucesso, que vive de forma autónoma e tem uma vida amorosa satisfatória. Todos estes elementos narrativos são apresentados com naturalidade – Jack é assim porque foi o percurso que escolheu e em que investiu, facilitado por uma família de classe média amorosa, inclusiva e com uma forte paixão pela música. Não é uma personagem desenhada com o intuito de ser uma inspiração ou um exemplo de superação.

As narrativas que encontramos todos os dias em livros, séries, filmes, jornais e redes sociais importam. Acredito que a deficiência deve estar mais presente nos produtos culturais que consumimos. E que a sua representação deve ser o mais sincera, complexa e positiva possível. E daí a importância de incluir no processo criativo consultores e artistas com deficiência.

No caso de This Is Us, os actores que encarnaram Jack nas diferentes fases da vida têm deficiência visual: Johnny Kincaid e Blake Stadnik. Foi uma opção do criador da série, Ben Fogelman. Aos jornalistas, Fogelman contou que havia vários bons candidatos com deficiência visual disponíveis para agarrar o papel. Ou seja: os actores com deficiência existem, querem trabalhar e a existência de personagens como eles na narrativa acaba por promover duplamente a inclusão – no mercado de trabalho e no imaginário colectivo da sociedade.

Como escreveu a jornalista e activista brasileira Patrícia Almeida, co-fundadora da Global Alliance for Disability in Media and Entertainment (Gadim): “Se você retrata um homem negro como executivo de [uma empresa] multinacional, uma pessoa com deficiência intelectual usando o caixa automático de um banco, uma mulher como comandante de um navio ou uma família homoafectiva fazendo piquenique, você está mandando mensagens visuais que vão ficar registadas na mente dos espectadores, ajudando a formar um imaginário mais inclusivo de todas as pessoas. Esses temas viram discussão e isso é tudo o que precisamos para combater o preconceito – falar sobre isso”.

É por isso que This Is Us, além de ser uma série deliciosa sobre relações familiares, também constitui um excelente exemplo de representação da deficiência nos media. Ao verem os episódios, todos os espectadores, incluindo aqueles com diversidade funcional, podem olhar para tela e pensar: estes também somos nós.

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