Johnny Depp vs. Amber Heard: e o Óscar de melhor actor vai para...
Não vale a pena decidir quem é agressor e agredido nesta história. Na verdade, por tudo o que foi exibido, há pouca margem para aferir que Amber Heard foi rigorosa quando se descreveu como vítima de abusos ou para decidir que Depp, afinal, foi maltratado por uma companheira que sofria de perturbações mentais, como a equipa do actor quis demonstrar.
Durante 45 dias, milhões em todo o mundo centraram a sua atenção naquele que terá sido um dos julgamentos civis mais mediáticos de sempre, já que o interesse do público recai habitualmente em crimes de sangue e, vindo dos EUA, naqueles em que está em causa a pena de morte. Não era o caso.
Muito se falou em violência doméstica — Amber Heard acusou Johnny Depp de a ter agredido; Depp descreve Heard como a agressora —, mas, na verdade, o caso era somente de difamação. E milionário, por sinal. Johnny Depp pede uma indemnização de 50 milhões; Amber Heard contra-atacou, exigindo uma reparação de 100.
Não vale a pena decidir quem é agressor e agredido nesta história. Na verdade, por tudo o que foi exibido, há pouca margem para aferir que Amber Heard foi rigorosa quando se descreveu como vítima de abusos domésticos ou para decidir que Depp, afinal, foi violentado por uma companheira que sofria de perturbações mentais, como a equipa do actor quis demonstrar. Como alguém escrevia numa rede social por estes dias, a não ser que tivéssemos sido uma peça de mobiliário, é impossível determinar quem fala verdade — e, por isso, talvez os dois saiam perdedores. Nesta altura, é difícil prever a decisão do júri, que poderá dar a vitória a qualquer um dos dois; ou, simplesmente, deliberar que ambos devem ressarcir o outro.
O que se pode dizer já é que há um claro vencedor de um Óscar de melhor actor. É que, independentemente de quem tem razão, ao longo de 45 dias, 23 dos quais passados em sala de audiência, a luta entre os dois foi sobretudo para ver quem conseguia representar melhor o seu papel.
Foi dito, durante o julgamento, que Depp é um actor de uma suposta lista A. Já Heard, mesmo com o papel de Mera em Aquaman, nunca conseguiu sair da menos requisitada lista B. E a postura e forma como entregaram os seus depoimentos, com mais que evidentes traços das técnicas de actores que dominam, melhor ou pior, explicam a razão pela qual estão os dois em diferentes patamares no mundo da representação.
Johnny Depp imprimiu realismo ao seu testemunho. Soube respirar nos tempos certos, pausar quando era necessário, sem, porém, deixar o júri demasiado exasperado com o seu discurso vagaroso. Foi educado q.b. nos contra-interrogatórios, sem que tenha permitido que os advogados de Amber Heard o baralhassem — e a opção por falar devagar tê-lo-á ajudado, já que, mesmo que se sentisse confuso, isso não se iria perceber. Afinal, ele falou sempre devagar.
Quem assistiu, rapidamente sentiu empatia pelo actor, que já tinha do seu lado o facto de ser percepcionado como “alguém de casa”. E, nem quando vieram a lume as horríficas mensagens que enviou ao amigo Paul Bettany — “Vamos afogá-la antes de a queimarmos” —, o sentimento de lealdade para com o actor desvaneceu. Diariamente, centenas reuniram-se às portas do tribunal em Fairfax para gritar “We love you, Johnny” (houve ainda quem, mascarado de Jack Sparrow, tenha confessado, durante um animado directo da Court TV, não saber nada do que se passava em tribunal, estando ali apenas pelo convívio).
Amber Heard terá salvado a face no seu derradeiro depoimento, em que conseguiu exprimir, de forma credível, o horror que tem vivido ao longo do processo a decorrer (a onda de ódio nas redes sociais tem sido uma constante, com ameaças de morte diárias, e há quem vá a Fairfax apenas para a apupar). No entanto, ao longo do tempo de julgamento, desfavoreceu-a a postura sobranceira e, enquanto testemunhou os acontecimentos que diz ter vivido durante a relação com Johnny Depp, não conseguiu convencer muita gente: a sua respiração foi exagerada, limpou muitas vezes os olhos, mas ter-se-á avistado apenas uma pequena lágrima depois de muito esforço, e os seus relatos continham demasiados detalhes irrelevantes — algo que os peritos observaram ser comum em quem está a inventar uma história.
Estaria a mentir ou terá sido (mal) instruída para aumentar a realidade? A segunda hipótese não é de descartar, já que a equipa que a defendia por diversas vezes revelou falhas graves (durante um contra-interrogatório, o advogado de Amber Heard opôs-se à sua própria pergunta; a testemunha ficou confusa e até a juíza se manifestou: “Espere, foi você que fez a pergunta!").
Há um momento, porém, em que a reacção de pânico de Amber Heard em relação ao ex-marido parece real e involuntária: Heard levanta-se do banco das testemunhas, depois de ter descrito o episódio em que diz ter sido sexualmente agredida por Depp, ao mesmo tempo que o actor sai da sua mesa e parece dirigir-se a ela. Os guardas colocam-se entre os dois, mas já antes Heard tinha recuado. E nota-se que, naquele instante, não há qualquer representação: por sofrer de perturbação de stress pós-traumático como consequência das agressões que descreveu, como alegou, ou por ter estado a mentir imediatamente antes? Irrelevante para o caso: nenhum dos jurados assistiu, uma vez que já tinham sido dispensados para a hora de almoço.
O resultado do julgamento pode vir a ser conhecido ainda esta sexta-feira — ou, na pior das hipóteses, ao longo da próxima semana. Mas, ainda antes de existir um veredicto, é certo que, se houvesse um Óscar para entregar, este iria direitinho para Johnny Depp. Caso para dizer que, já acumulando três nomeações (por Piratas das Caraíbas - A Maldição do Pérola Negra, À Procura da Terra do Nunca e Sweeney Todd: O Terrível Barbeiro de Fleet Street) e nenhuma estatueta, o actor terá, no último mês e meio, representado o papel da sua vida.