Os avós não podem ficar para amanhã

Parece um assunto menor haver menos almoços de família ao domingo, ou os avós passarem mais três ou quatro semanas sozinhos do que o habitual. Mas não é!

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@designer.sandraf

Ana,

Estou preocupada. Estive a falar com um grupo de avós num encontro online e conclui que:

a) notícia boa: as avós e bisavós mantêm-se as matriarcas da família graças às novas tecnologias que dominam na perfeição, depois de dois anos de treino intensivo. Falam com filhos e netos diariamente, dão ordens e sentem-se a gerir a família. O facto de os verem assiduamente, embora virtualmente, parece-lhes um ganho.

b) notícia má: acomodaram-se, elas e as gerações abaixo, a este contacto à distância. Passam meses sem um encontro cara a cara. Justificam-no com o amor que os filhos e os netos lhes têm — não querem contagiá-las! Fiquei com a impressão de que agora com os números da covid a subir sentem essa “desculpa” ainda mais reforçada. Só que este medo, constantemente sublinhado, também as impede de sair, deixando-as mais isoladas, sem o grupo de amigos (nem que sejam os do café), e representa uma perda efectiva de mobilidade e autonomia. Repetem “Os meus filhos gostam tanto de mim que não querem que saia de casa”, com aparente orgulho. Será sincero? Confesso-te que a mim me afligiu.


Querida Mãe,

Ainda hoje estava a ouvir os resultados de um estudo sobre a saúde mental dos britânicos desde o início da pandemia, e os números são assustadores. Só aos poucos vamos percebendo tudo o que se perdeu. Lembra se quando falavam da covid como uma guerra? Sempre achei a comparação absurda, mas vejo um paralelismo entre ambas na forma como lhes reagimos: durante a “crise” ficamos em modo de sobrevivência, tudo o resto parece acessório. Só queremos que a crise passe, que o conflito acabe. Mas só os muito ingénuos é que podem pensar que a pandemia ou a guerra acabam no momento em que se desliga um qualquer botão. E que tudo regressa ao normal, como se nada tivesse acontecido.

No meio de tudo isto, parece um assunto menor haver menos almoços de família ao domingo, ou os avós passarem mais três ou quatro semanas sozinhos do que o habitual. Mas não é! As famílias perdem hábitos, intimidade, relação. Os mais velhos perdem mobilidade, motivação, realização. Os mais novos perdem experiências, relação, sentido de comunidade e de família.

E tudo isto reflecte-se em mais ansiedade, medo, menos exposição às coisas que nos custam um bocadinho (e quando não nos expomos em doses pequenas, as coisas difíceis tornam se cada vez mais difíceis, até se tornarem impossíveis!). Traduz-se em menos vida, mesmo que os corações estejam a bater e os sinais vitais dentro dos valores de referência.

É preciso ter cuidado, é preciso ter bom senso, mas é preciso ter mais vontade de viver, do que medo. Seja do que for. Não podemos esperar que os tempos complicados acabem para voltarmos a estar juntos e fazermos as coisas que gostamos porque, como está à vista de todos, os dias viram semanas, e as semanas viram anos, e as guerras e as doenças surgem dos sítios mais inesperados. Sobretudo os avós não podem ficar para amanhã.


No Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Mas, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram.

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