Os cinco meses entre a detenção e a morte de João Rendeiro na África do Sul
João Rendeiro foi encontrado morto na sua cela. Esta é a cronologia dos principais acontecimentos desde o anúncio da detenção do ex-banqueiro.
A morte de João Rendeiro na prisão de Westville (Durban) colocou esta sexta-feira um ponto final na odisseia de cinco meses do ex-banqueiro, detido a 11 de Dezembro de 2021, após três meses de fuga à justiça portuguesa.
Quando faltava um mês para o arranque do julgamento do processo de extradição para Portugal, agendado para decorrer entre os dias 13 e 30 de Junho, e a apenas uma semana da sessão preparatória, o antigo presidente do Banco Privado Português (BPP) foi encontrado morto na sua cela perto da meia-noite de quinta-feira, segundo os serviços penitenciários sul-africanos, que abriram uma investigação às circunstâncias da morte.
Na origem da convocatória para a sessão desta sexta-feira – que não tinha sido previamente anunciada - estava a saída da advogada June Marks, que confirmou, entretanto, que iria deixar de representar o ex-banqueiro devido à falta de verbas de João Rendeiro para continuar a pagar a sua defesa.
João Rendeiro foi condenado em três processos distintos relacionados com o colapso do BPP, tendo o tribunal dado como provado que retirou do banco 13,61 milhões de euros. No dia 28 de Setembro do ano passado, o ex-banqueiro anunciou no seu blogue pessoal que não iria regressar a Portugal por se sentir injustiçado.
Esta é a cronologia dos principais acontecimentos:
11 de Dezembro de 2021
A Polícia Judiciária (PJ) anuncia a detenção de João Rendeiro, sobre quem pendiam dois mandados de detenção internacional. O antigo presidente do BPP foi detido num hotel em Durban, no sudeste da África do Sul, pelas 07h locais (05h em Lisboa), encontrando-se neste país desde 18 de Setembro, segundo o director da PJ, Luís Neves.
12 de Dezembro de 2021
Depois das reacções de diversos partidos, o Presidente da República saudou a detenção de João Rendeiro, que ficou detido na esquadra de polícia de North Durban. “Foi um momento importante para a justiça portuguesa, para a confiança dos portugueses na justiça, nas instituições que mandam, na democracia e, nesse sentido, foi muito positivo, porque mostrou que ninguém está acima da lei”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa.
13 de Dezembro de 2021
O ex-banqueiro é presente pela primeira vez a um juiz no Tribunal de Verulam, onde a defesa pediu a sua libertação sob fiança e o NPA manifestou a sua oposição a esse pedido. A sessão acabou por ser adiada para o dia seguinte, por decisão do magistrado, com o processo de extradição a ficar ainda fora da discussão no tribunal, tendo João Rendeiro sido levado para a prisão de Westville, em Durban.
14 de Dezembro de 2021
A advogada June Marks adianta que vai pedir a transferência do ex-banqueiro para outra prisão, depois de João Rendeiro ter recebido ameaças de morte de outros prisioneiros, mas a sessão foi novamente adiada para o dia seguinte, após a defesa ter pedido mais tempo para apresentar o requerimento de libertação sob fiança. À saída do tribunal, João Rendeiro disse aos jornalistas: “Eu não vou regressar a Portugal”.
15 de Dezembro de 2021
Na sequência de uma notícia do jornal PÚBLICO, que dava conta de que Portugal poderia não conseguir cumprir o prazo de 40 dias para a apresentação formal do pedido de extradição devido a dificuldades na tradução das decisões judiciais, a PGR esclareceu em comunicado que, “pese embora o limitado quadro de tradutores” ao seu serviço, “essa circunstância não constituirá impedimento a que (…) seja realizada a respectiva tradução”.
Neste mesmo dia, a defesa do antigo banqueiro propôs em tribunal a libertação mediante o pagamento de uma caução de 40 mil rands (cerca de 2.190 euros), alegando que estava a ser alvo de uma “caça às bruxas” e de “acções inconstitucionais” por parte de Portugal, enquanto a NPA vincou a sua oposição à proposta da defesa. A decisão por parte do juiz relativamente a esta matéria foi adiada por dois dias.
17 de Dezembro de 2021
O tribunal de Verulam rejeitou a libertação sob caução, com o juiz Rajesh Parshotam a declarar que João Rendeiro “é um fugitivo, contra as ordens dos tribunais” e que “quase de certeza fugiria” se fosse libertado, questionando: “Se não respeita processos judiciais em Portugal por que iria respeitar na África do Sul?” O antigo presidente do BPP dispõe de 14 dias para recorrer da decisão.
Ainda neste dia é conhecido o terceiro mandado de detenção internacional, emitido pelo juiz Francisco Henriques, que condenou o ex-banqueiro a uma pena de três anos e seis meses de prisão. O objectivo deste mandado, segundo fonte judicial, é reforçar o pedido de extradição e cumprir o princípio da especialidade, para que, caso se concretize a extradição, possa também responder por esta condenação.
30 de Dezembro de 2021
A NPA confirma oficialmente que o prazo para Portugal submeter a documentação para a formalização do pedido de extradição do antigo presidente do BPP foi prorrogado para o máximo de 40 dias, expirando agora a 20 de Janeiro. O prazo inicial de 18 dias completara-se na véspera, dia 29, sem que a PGR tivesse ainda enviado os documentos.
31 de Dezembro de 2021
A defesa de João Rendeiro formaliza o recurso sobre a medida de coação de prisão preventiva aplicada, alegando que o juiz decidiu com base em informação não verificada e não autenticada, nomeadamente nas traduções dos mandados de captura, portugueses e internacionais. No recurso lê-se ainda que o tribunal errou ao valorizar alegações não provadas de que Rendeiro tem milhões de euros provenientes da prática de crimes e ao desconsiderar o impacto do encarceramento no estado de saúde do antigo presidente do BPP.
10 de Janeiro de 2022
João Rendeiro regressa a tribunal, mas a sessão é adiada para dia 21. No entanto, houve tempo para ser feita uma actualização sobre o processo e o procurador, Naveen Sewpersat, disse que o Estado recebeu, entretanto, um quarto mandado internacional para prisão do ex-banqueiro – depois dos três já anunciados em Dezembro – e que está relacionado com um processo de descaminho de obras de arte apreendidas, no qual a sua mulher é arguida.
12 de Janeiro de 2022
Numa nota à comunicação social, a PGR anuncia que o pedido formal de extradição de João Rendeiro, transmitido por via diplomática, foi recebido neste dia pelas autoridades sul-africanas e que o mesmo “foi instruído em português com toda a documentação relevante e legalmente exigida e acompanhado de tradução”.
13 de Janeiro de 2022
A PGR assume estar a equacionar o envio de magistrados para a África do Sul, no sentido de acompanhar o processo de extradição do antigo presidente do BPP.
14 de Janeiro de 2022
Em resposta à posição assumida pela PGR, a advogada June Marks prometeu opor-se à ajuda de uma equipa de magistrados do Ministério Público. “Opor-nos-emos a quaisquer acções ilegais e inconstitucionais, incluindo tentativas de usurpar a função da NPA. As minhas instruções são para me opor a tentativas inconstitucionais e ilegais de afectar o processo”, afirmou à Lusa.
19 de Janeiro de 2022
Rendeiro é assistido na enfermaria da prisão de Westville por ter febre, com a sua defesa a criticar as condições de assistência médica disponíveis.
21 de Janeiro de 2022
O juiz Johan Van Rooyen recebe os documentos de extradição e adia o início do julgamento para dia 27. A sessão fica marcada pela descoberta de que a selagem dos documentos em português estava partida, enquanto os documentos traduzidos estavam devidamente selados, o que levou o procurador da NPA a dizer que seria apresentado um pedido para que os documentos de extradição sejam reenviados através de canais diplomáticos para as autoridades portuguesas, para que estas os verifiquem e voltem a selar.
June Marks revela ter escrito ao Presidente da República sul-africano, Cyril Ramaphosa, e ao ministro da Justiça e Serviços Correccionais, Ronald Lamola, alertando-os de que pretende contestar até ao Tribunal Constitucional a extradição do ex-banqueiro para Portugal. Paralelamente, anunciou ter sido instruída para apresentar uma queixa às Nações Unidas (ONU) sobre as condições “desumanas” da prisão de Westville.
A PJ anunciou a recuperação na Bélgica de um dos quadros da colecção de arte do ex-banqueiro dado como descaminhado e que estava exposto numa galeria de arte em Bruxelas.
26 de Janeiro de 2022
A defesa do antigo presidente do BPP divulga a carta dirigida ao secretário-geral da ONU, António Guterres, na qual revela que Rendeiro já foi alvo de “tentativas de extorsão” e que os seus direitos humanos estão a ser violados na prisão de Westville.
27 de Janeiro de 2022
João Rendeiro regressa a tribunal, mas o julgamento do processo de extradição acabou por ser marcado para Junho, depois de a advogada do antigo presidente do BPP ter acesso aos documentos, previsivelmente a 1 de Abril, sendo que a 20 de Maio haverá uma sessão de preparação com as partes. A defesa avança ainda que quer apresentar um segundo pedido de liberdade sob caução, ao mesmo tempo que tenta um recurso do primeiro pedido.
1 de Fevereiro de 2022
A PJ executa o arresto do património do ex-banqueiro na Quinta Patino, em Cascais, e noutros locais. Os mandados de arresto de bens do ex-presidente do BPP são executados no âmbito de um processo em que João Rendeiro já foi condenado e abrangem bens da casa da sua Maria de Jesus Rendeiro, que está em prisão domiciliária, indiciada do crime de descaminho de obras de arte do marido, das quais era fiel depositária.
9 de Fevereiro de 2022
A defesa do ex-presidente do BPP João Rendeiro e os responsáveis do Ministério Público sul-africano (National Prosecuting Authority – NPA) anunciam uma reunião para o envio dos documentos do processo de extradição para Portugal.
23 de Fevereiro de 2022
O Tribunal da Relação de Lisboa nega o recurso interposto pelo ex-banqueiro no processo em que foi condenado a dez anos de prisão por crimes de fraude fiscal qualificada, abuso de confiança e branqueamento de capitais. No acórdão, o juiz desembargador relator Rui Teixeira criticou duramente a conduta de Rendeiro, vincando que o ex-banqueiro foi movido pela “ganância e avidez” e que delapidou o banco e os clientes “apenas e só pelo vil metal”.
22 de Março de 2022
A PJ realiza oito buscas em Lisboa, Aveiro e Porto relacionadas com desvio de fundos e descaminho de obras de arte de João Rendeiro que estavam à guarda da sua mulher. Em comunicado, a PJ refere que neste inquérito, denominado Operação D´Arte Asas III e dirigido pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), foram efectuadas oito buscas – cinco domiciliárias, duas não domiciliárias e uma a um escritório de advogado.
25 de Março de 2022
A PGR confirma que as autoridades sul-africanas receberam a documentação relativa ao processo de extradição do ex-banqueiro. Os documentos enviados em Janeiro pela PGR para a África do Sul regressaram a Portugal em Fevereiro, depois de se ter percebido numa sessão em tribunal que a fita que selava os documentos em português estava quebrada.
4 de Abril de 2022
A defesa de João Rendeiro refere que vai aceder finalmente aos documentos do processo de extradição enviados pela PGR. June Marks adianta que visitou Rendeiro na prisão e que este estava “bem” e que lhe “disse que aguardava o julgamento com expectativa”, em alusão à sessão preparatória no tribunal marcada para 20 de Maio, já com a presença da defesa e do Ministério Público sul-africano.
27 de Abril de 2022
O PÚBLICO avança que a defesa de Rendeiro juntou ao processo dois documentos: uma carta assinada em Fevereiro por um cardiologista a indicar que observou o ex-banqueiro em 2012 e que um ecocardiograma revelou fibrose da válvula aórtica e mitral, e um relatório médico a atestar que João Rendeiro tem cardiopatia reumática, assinado por um psiquiatra que já tinha sido condenado por ter feito sexo sem consentimento com uma paciente grávida.
Contudo, a defesa desvalorizou a situação e informou que este relatório médico não seria utilizado em tribunal no âmbito do processo de extradição.
28 de Abril de 2022
Uma informação do Juízo Central Criminal de Lisboa, enviada à PGR após um pedido de esclarecimento das autoridades sul-africanas, refere que o antigo presidente do BPP nunca alegou problemas de saúde nos processos em que foi julgado e condenado em Portugal.
5 de Maio de 2022
O Conselho Superior da Magistratura (CSM) conclui no relatório do processo de averiguações aberto em 6 de Outubro que os juízes dos três processos em que o antigo presidente do BPP foi julgado e condenado nos últimos anos não cometeram infracções disciplinares.
13 de Maio de 2022
João Rendeiro foi esta sexta-feira encontrado morto na sua cela da prisão de Westville, na África do Sul.