PR considera que “é problemática” a ideia de rever Constituição por causa de metadados

Marcelo Rebelo de Sousa considera que há um “problema na revisão constitucional” como solução para esta matéria, uma vez que “não há revisões pontuais da Constituição”.

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Para o Presidente da República “é problemática” a ideia de rever a Constituição LUSA/ESTELA SILVA

O Presidente da República considerou esta quinta-feira que “é problemática” a ideia de rever a Constituição por causa da legislação sobre armazenamento e acesso a metadados, alertando que esse pode ser um processo demorado.

Marcelo Rebelo de Sousa falava aos jornalistas junto ao Miradouro de Santa Luzia, em Lisboa, a propósito do acórdão do Tribunal Constitucional que declarou inconstitucionais normas da chamada lei dos metadados e do pedido de nulidade desta decisão feito pela procuradora-geral da República, Lucília Gago.

O chefe de Estado declarou que, se não for possível resolver este assunto com alterações à lei que sejam aceites pelo Tribunal Constitucional, “aí pode começar a aproximar-se uma ideia que não é fácil, é problemática, que é haver uma revisão da Constituição”.

“Por que é que é problemática? Porque nós não temos revisões pontuais da Constituição”, justificou, salientando que “no momento em que se abre uma revisão há um mês para todos os partidos; todos os deputados apresentarem os seus projectos, que podem ser sobre tudo, sobre a Constituição toda”. “E é tudo examinado em conjunto e demora o tempo que demorar”, realçou.

Marcelo Rebelo de Sousa insistiu que há um “problema na revisão constitucional” como solução para esta matéria, porque “não há revisões pontuais da Constituição": “Não se pode chegar lá e dizer ‘olhe, vamos alterar só isto para ver se passa no Tribunal Constitucional a lei que venha agora a disciplinar a matéria’. Não. Desde que se abre um processo de revisão constitucional, está tudo em causa na Constituição e pode demorar o tempo que demorar”, repetiu.

No plano das alterações legislativas, referiu que “há várias pistas para tentar encontrar uma nova versão”, com mudanças “relativamente aos dados conservados, ao tempo de conservação, relativamente a dados relacionados com o estrangeiro ou que podem ser conhecidos fora do território português, por aí adiante”, e “outras pistas sobre o tipo de controlo pelos tribunais, como é, como não é”.

“Aí os partidos vão tentar fazer correcções. Já se sabe de pelo menos um partido [o PSD] que quer alterar alguma coisa para ver se aproxima da posição do tribunal. Haverá outros partidos que irão alterar outros pontos”, prosseguiu acrescentando que, depois, “de duas umas: o tribunal acha que chega, é suficiente, ou acha que não”.

Segundo o Presidente da República, em diferentes normas da lei dos metadados “tem-se feito um esforço para ir aproximando a lei daquilo que é a interpretação do Tribunal Constitucional”.

“Eu próprio já promulguei duas leis na esperança de que, com as alterações introduzidas, pudessem passar, mas não passaram”, mencionou.

O Tribunal Constitucional, em acórdão de 19 de Abril, declarou inconstitucionais normas da chamada lei dos metadados que determinam que os fornecedores de serviços telefónicos e de internet devem conservar os dados relativos às comunicações dos clientes, entre os quais a origem, destino, data e hora, tipo de equipamento e localização, pelo período de um ano, para eventual utilização em investigação criminal.

Na sequência de um pedido de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral feito pela provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, dos artigos 4.º, 6.º e 9.º desta lei, o tribunal considerou que as normas em causa violam princípios consagrados na Constituição como o direito à reserva da vida privada e familiar e a proibição de acesso a dados pessoais de terceiros, salvo em casos excepcionais, assinalando que “o legislador não prescreveu a necessidade de o armazenamento dos dados ocorrer no território da União Europeia”.

A chamada lei dos metadados, de 2008, transpôs para o ordenamento jurídico nacional uma directiva europeia de 2006 que entretanto o Tribunal de Justiça da União Europeia declarou inválida em 2014. Invocando o primado do direito europeu e a Constituição, a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) decidiu, em 2017, “desaplicar aquela lei nas situações que lhe sejam submetidas para apreciação”.

Face ao acórdão do Tribunal Constitucional, gerou-se um debate no sector da justiça sobre o impacto desta decisão nos processos com recurso a metadados.