Com poucas tecedeiras no activo, aldeia de Vila Real recria o ciclo do linho

Projecto junta habitantes da aldeia, a Junta de Freguesia de Vila Marim e investigadores da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro.

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Recuperar o trabalho do linho é o objectivo do projecto a desenvolver em Vila Real Nelson Garrido/Arquivo

Numa altura em restam poucas tecedeiras no activo, a aldeia de Agarez, em Vila Real, foi palco para uma sementeira experimental de linho e ao longo de um ano vai recriar todo o ciclo até ao tear. O projecto junta habitantes da aldeia, a Junta de Freguesia de Vila Marim e investigadores da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD).

A aldeia da encosta da serra do Alvão, com vista para a cidade de Vila Real, foi uma terra de linho. Houve tempos em que em quase todas as casas se ouvia o bater ritmado do tear e os campos se enfeitavam com a cor azul da planta do linho.

Maria Barrias tem 73 anos e uma vida inteira dedicada ao linho, uma arte que aprendeu com a mãe. “Saí da escola após o exame da 4.ª classe e agarrei-me ao trabalho, trabalhávamos no campo, semeávamos tudo e daí fazíamos o linho, todo o ciclo do linho”, declara aos jornalistas.

Era lá para Abril ou Maio que começavam os trabalhos na terra, a qual se preparava para receber a semente. Em Julho era arrancada a planta que, em molhos, era submersa na água do rio durante uns dias e depois ficava a corar ao sol. Depois, era preciso maçar, espadar antes de ir à roca, a seguir ao sarilho, passar na dobadoura, nas canelas e só depois chegava ao tear.

“É um ano inteiro de trabalho”, resume a tecedeira, que recorda uma juventude de campos cultivados e em que quase todas as mulheres teciam. Agora, lamenta, “já não há quem semeie, quem o teça, nem nada”. E frisa: “É preciso ter amor a isto, eu tenho amor. Vou trabalhar até não poder.”

Maria Barrias ainda vende peças como toalhas de baptizado e colchas e garante que, este ano, irá descer à cidade de Vila Real para a tradicional feira de São Pedro, que era conhecida pelo linho de Agarez e o barro preto de Bisalhães.

Rosalina Monteiro tem 54 anos e é a mais nova tecedeira de Agarez. Foi também com a mãe que aprendeu a arte, numa altura que na aldeia se cumpria todo o longo ciclo do linho, da semente ao fio no tear, uma tradição muito antiga que ali foi passando de geração em geração.

Continua a tecer e a vender algumas peças. “É um passatempo. Se estivesse à espera disto para comer não dava, mas gosto de fazer e depois dá para vender, para oferecer, dá para muita coisa.” Este ano a moda dá destaque novamente ao linho, com muitas peças neste tecido à venda nas lojas. “Se isto fosse rentável, se calhar as pessoas dedicavam-se mais. Agora tem sido só para quem tempo e gosta de fazer”, frisa.

As tecedeiras participaram também no cultivo experimental que decorreu num pequeno terreno na aldeia. “É bom. Para quem não souber conhecer um bocadinho, para não se perder e até para incentivar pessoas novas que venham ver e até podem vir a gostar disto”, afirma Rosalina Monteiro. Maria Barrias revela que “adorava ver as jovens a trabalhar o linho”.

A iniciativa está inserida no projecto internacional “Learnvil - Learning Villages” (Aldeias de Aprendizagem) que escolheu aldeias em países como França, Itália, Alemanha, Grécia e Portugal para o desenvolvimento de actividades e para aplicar os princípios da governança. “Há umas décadas que, de facto, não se semeia o linho e aquilo que as tecedeiras neste momento estão a fazer é a usar o linho das fábricas”, informa a presidente da Junta de Vila Marim, Sandra Marcelino.

A autarca explica que, então, o “maior desafio era lançar a sementeira”. E aponta: “Agora lançada a semente à terra com certeza que vai germinar e nós vamos levar a bom porto este projecto. Não há, neste momento, um histórico, não está plasmado num livro, num dossiê e finalmente temos, agora, a possibilidade também de documentar o cultivo do linho de Agarez.” Sandra Marcelinho confessa ter o desejo de que seja possível demonstrar que esta é uma “cultura rentável”, como o era antigamente.

Veronika Joukes, professora de Turismo na UTAD, explica que o projecto pretende “estimular práticas de colaboração, de trabalho em conjunto e manter tradições”, e adianta que o tema do linho foi escolhido pela própria comunidade. “Toda a gente espontaneamente associa Agarez ao linho. É muito triste o linho desaparecer e se conseguirmos acompanhar um pouquinho o reviver e não perder as tradições acho que era óptimo”, afirma.

A empresa Ruralidade Verde é também parceira do projecto e, segundo o responsável, Luís Lopes, o objectivo é “tentar perpetuar o conhecimento técnico mais tradicional”. “Vamos reportar todo o processo para ficar a memória viva”, explica.

No âmbito do projecto vão também ser criados roteiros turísticos na freguesia de Vila Marim.