Bastonário dos advogados exige relatório de violação dos direitos fundamentais na pandemia
Na abertura do ano judicial Menezes Leitão incitou o Ministério Público a explicar os seus desaires quando as acusações que deduz contra políticos redundam em absolvições.
O bastonário dos advogados, Menezes Leitão, quer que seja feito um relatório sobre a violação pelo Estado dos direitos fundamentais dos cidadãos durante a pandemia, para que estas situações não se venham a repetir.
“Com base em resoluções do Conselho de Ministros foram instituídas no nosso país imposições de recolher obrigatório, proibições de circulação de cidadãos no território nacional e colocação de pessoas em quarentena domiciliária por ordem administrativa, sem controlo judicial, e sem que as mesmas apresentassem qualquer infecção ou doença”, exemplificou o principal representante dos advogados portugueses, que classificou o sucedido como uma “longa e negra noite para a justiça e o Estado de Direito em Portugal”.
Na cerimónia solene de abertura do ano judicial, este ano adiada para esta quarta-feira por causa da pandemia e das eleições, Menezes Leitão recordou que meros regulamentos do Governo nunca poderiam restringir, quanto mais suspender direitos fundamentais. Estes atropelos foram, aliás, alvo de várias declarações de inconstitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional, tendo levado mesmo a que a justiça tivesse decretado a libertação imediata de alguns cidadãos alvo de confinamento domiciliário obrigatório, pelo facto de o país já não se encontrar em estado de emergência.
“Os direitos constitucionais dos cidadãos foram suspensos através de estados de emergência decretados por quinze vezes mas, mesmo depois de levantado o estado de emergência, esses direitos continuaram suspensos”, resumiu. “O país passou assim a viver em sucessivos estados de excepção não declarados, no que ameaça tornar-se a nova normalidade, já desconfiando os cidadãos se alguma vez regressarão a um estado normal e por quanto tempo”.
E criticou o facto de as várias entidades que podem suscitar junto do Tribunal Constitucional este tipo de problema não terem agido – nem o Presidente da República nem a Provedora de Justiça, por exemplo. “Foram apenas os advogados que reagiram em defesa dos cidadãos lesados, designadamente instaurando providências de habeas corpus contra a ilegal privação da liberdade dos seus constituintes”, sublinhou, defendendo uma vez mais que deve ser atribuída à Ordem dos Advogados a competência, à semelhança do que ocorre no Brasil.
Mas as reivindicações do bastonário não ficaram por aqui. O jurista quer também ver o Ministério Público a explicar os seus desaires, quando as acusações que deduz contra a classe política redundam em absolvições. “Temos assistido nos últimos tempos a muitas absolvições de cidadãos que exerceram funções políticas ao mais alto nível, os quais, no entanto, tiveram que viver durante anos com o estigma de uma acusação criminal”, observou.
“Perante os danos que estas acusações infundadas causaram, esperar-se-ia, a bem da credibilidade da nossa justiça que, sendo as mesmas julgadas improcedentes nos tribunais, os cidadãos tivessem uma explicação pública por parte do Ministério Público sobre o que motivou a sua acusação.” Rejeitou, porém, quaisquer tentativas de interferência política na autonomia do Ministério Público. “É manifesto que a autonomia tem que ser em absoluto defendida e não podemos aderir a quaisquer tentativas de a controlar. Mas também deve ser associada à máxima responsabilidade, evitando a dedução de acusações sem fundamento”, ressalvou Menezes Leitão. Que no final da sua intervenção exprimiu um desejo: “Que o poder político passe a tratar melhor a justiça”.