Mário Ferreira diz que eventuais benefícios fiscais obtidos com negócio de ferryboat não o transformam num “escroque”
O termo foi usado em 2019 numa rede social por Ana Gomes, dirigido ao dono da Douro Azul, por ter criado duas empresas em Malta para transaccionar o ferryboat Atlântida. O empresário diz ter actuado dentro da legalidade. A declaração da ex-eurodeputada valeu-lhe uma acusação por difamação da qual se defende em tribunal.
A possibilidade de eventualmente ter usufruído de “benefícios fiscais” no decorrer de uma transacção realizada recorrendo à criação de uma empresa num “paraíso fiscal” não é motivo para ser apelidado de “escroque”, considera o empresário Mário Ferreira, dono da Douro Azul, ouvido nesta terça-feira de manhã no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, onde decorre o julgamento em que a antiga eurodeputada Ana Gomes enfrenta acusações de difamação agravada na sequência de um processo movido pelo actual proprietário da Media Capital.
“Escroque” foi a palavra escolhida pela diplomata numa publicação de 2019 na rede social Twitter para adjectivar o empresário portuense, a quem também chamou no mesmo texto de “criminoso fiscal”. Este foi o motivo para a abertura deste processo – mais um da mesma natureza movido pelo próprio contra Ana Gomes. Já “paraíso fiscal” é uma expressão usada por Francisco Teixeira da Mota, advogado da arguida, para se referir a Malta enquanto questionava Mário Ferreira durante a segunda sessão do julgamento marcada para ouvir o assistente no processo e algumas testemunhas chamadas pela acusação. Antes do início da sessão a juíza e a procuradora levaram a cabo uma tentativa de as duas partes chegarem a acordo, mas sem sucesso.
O dono da Douro Azul não gostou dos termos usados e em 2019 moveu um processo à socialista, que ao fim da manhã, no intervalo da sessão, disse aos jornalistas continuar a não alterar uma vírgula ao que escreveu por ter forma de provar a veracidade das suas afirmações. Só não o pode fazer ainda, adianta, por estar a decorrer um processo paralelamente a este que tem como figura central Mário Ferreira, na sequência da compra e venda do ferryboat Atlântida, inicialmente mandado construir pelo Governo dos Açores, aos Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC), em 2014 e 2015, por via de uma empresa que criou em Malta. Neste processo, afirma, existirão documentos que provarão que os termos usados não constituem difamação por serem, alega, reais.
O advogado da arguida terá seguido o mesmo raciocínio e, por isso, elaborou o seu questionário em torno dessa premissa – todas as perguntas dirigidas ao assistente tinham como base o negócio que envolve a compra e venda do navio Atlântida, comprado aos ENVC por 8,75 milhões de euros e vendido por cerca de 18 milhões de euros passados cerca de seis meses a uma empresa norueguesa por via de duas outras empresas, já extintas, criadas pelo dono da Douro Azul em Malta.
A defesa alega que Mário Ferreira terá criado uma holding e uma limitada no país do Mediterrâneo para usufruir dos “benefícios fiscais” de um “paraíso fiscal”. O empresário refuta a ideia de Malta ser um “paraíso fiscal” e sublinha não existir nada de ilegal na transacção do ferryboat Atlântida. Questionado sobre a possibilidade de ter beneficiado fiscalmente com o facto de ter criado as empresas noutro país para levar a cabo o negócio, afirma não ser esse o motivo para ter instalado sede fora de Portugal, mas sim o facto de geograficamente fazer mais sentido ao nível dos planos que tinha inicialmente delineado para o barco, antes de pensar vendê-lo.
Mário Ferreira não deixou claro se beneficiou fiscalmente com esta transacção – ou seja, por via de a carga fiscal ser eventualmente menor em Malta, onde as duas empresas tinham sede. Porém, sublinha, não é por ter beneficiado ou não com essa circunstância que tem de ser considerado um “escroque”, já que assegura ter realizado todos os procedimentos dentro da legalidade.
Diz ser vítima de perseguição
No intervalo da sessão, ao fim da manhã, disse aos jornalistas estar a ser vítima de perseguição por parte de Ana Gomes. Instado pelo PÚBLICO a comentar a queixa por alegados actos de corrupção e de branqueamento de capital que a antiga eurodeputada fez chegar à Procuradoria Europeia, afirmou considerar apenas mais um de várias outras queixas feitas pela arguida para as quais depois “não apresenta documentos” que provem o que alega.
Esta não foi a primeira vez que a antiga eurodeputada é acusada de difamação pelo dono da Douro Azul. Vários outros episódios têm marcado o conflito entre ambos, um dos quais deu origem a uma queixa que empresas do universo de Mário Ferreira (Douro Azul, Mystic Cruises e Pluris Investments) apresentaram no Ministério Público do Peso da Régua contra a ex-diplomata por alegada ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva. À saída do tribunal, Ana Gomes afirmou que o recurso interposto pelo empresário neste caso foi recentemente considerado improcedente pelo tribunal.