Demoraram mais de vinte anos a dar a volta ao mundo — e pelo caminho nasceram quatro filhos
O casal de argentinos Candela e Herman partiu em Janeiro de 2000 e voltou agora ao mesmo local, depois de ter atravessado 102 países e percorrido 362 mil quilómetros a bordo de um calhambeque de 1928, o “avô Graham”.
Às 11h do dia 13 de Março de 2022 a família Zapp chegou ao Obelisco de Buenos Aires dando por terminada uma volta ao mundo que durou mais de vinte anos. Os argentinos Candela e Herman começaram com uma viagem da Argentina ao Alasca ao volante de um automóvel norte-americano Graham-Paige, de 1928, que dificilmente atinge os 50 quilómetros por hora (essa etapa demorou três anos), e cortaram a meta agora na companhia de quatro filhos, Pampa, Tehue, Paloma e Wallaby, que foram nascendo pelo caminho.
O casal e o calhambeque (chamam-lhe “avô Graham”) percorreram um total de 362 mil quilómetros desde que partiram do mesmo monumento argentino a 25 de Janeiro do ano 2000. “As pessoas são maravilhosas. A humanidade é incrível”, disse à chegada Candelaria, que tinha 29 anos quando a aventura começou. “O que virá agora? Milhares de mudanças, milhares de opções”, escreveu no Facebook Herman, agora com 53 anos, cinco continentes, quatro filhos adolescentes e “sentimentos muito confusos” no regresso. Pelo caminho ficaram 102 países — e alguns desvios por causa de guerras e outros conflitos.
Os dois estavam casados há seis anos, tinham empregos estáveis (ele electricista, ela secretária) e acabado de construir uma casa. “Não nos podíamos queixar”, relatam num dos vídeos que habitualmente partilham. Planeavam ter filhos, mas o desejo de viajar falou mais alto. “Faltava algo, havia um vazio”. E sobravam “mil dúvidas”: “E a família? E se somos assaltados? E se ficamos sem dinheiro? E se ficamos doentes? E as línguas?”
A viagem começou com uma ida de mochila até ao Alasca. Entretanto, alguém lhes ofereceu o carro americano num estado lastimável. “O motor estava em mau estado e a pintura horrível. Os bancos estavam maltratados e não tinha ar condicionado. Nem arrancava”, recorda Candelaria. “Não é confortável, mas foi maravilhoso”, resume Herman. “Andou nas cidades, na lama e na areia”. Em 22 anos, o velhinho Graham-Paige gastou apenas oito conjuntos de pneus e somente em duas ocasiões foram necessárias grandes intervenções no motor.
“Está melhor agora do que quando foi comercializado”, diz o condutor, enquanto exibe o roadster abrindo uma tela na parte superior que forma uma espécie de barraca para as crianças dormirem. Enquanto estavam na estrada, e com os dois primeiros filhos nascidos (Pampa, agora com 19 anos, nasceu nos EUA e Tehue, 16, veio ao mundo durante uma visita à Argentina), o casal ampliou o carro cortando-o ao meio e adicionando 40 cm na distância entre eixos e outro assento. Abriu-se assim espaço para a chegada de Paloma, agora com 14 anos e nascida no Canadá, e Wallaby, 12, que nasceu na Austrália. A partir daí, juntaram-se à família o cão Timon e o gato Hakuna (durante uma passagem pelo Brasil, onde os Zapps ficaram retidos em 2020 por causa da covid-19).
A mala do “avô Graham” funciona como despensa da cozinha e o calor do motor é usado para cozinhar ou aquecer água. Roupas e ferramentas são armazenadas sob os assentos. É uma espécie de autocaravana, definitivamente um lar doce lar. “É uma casa pequena, mas com um quintal enorme, com praias, montanhas e lagos. Se não gostarmos da vista, podemos mudar”, brinca Herman, que não percebia “nada de mecânica” e tinha “muito pouco dinheiro” quando tudo se precipitou.
Na lateral do carro, que no primeiro dia da aventura se arrastou por apenas 55 quilómetros, há uma placa que diz “uma família a viajar à volta do mundo”, uma família que terá pernoitado em cerca de duas mil casas em todo o mundo. “Convidados como hóspedes”, sublinham. “A humanidade é incrível”, disse Candelaria sobre a hospitalidade das pessoas.
Mas nem tudo foi fácil. Pelo caminho, Herman apanhou malária, a família atravessou a Ásia durante um surto de gripe aviária e teve que lidar com o ébola em África e a dengue na América Central.
Quando saíram da Argentina, convidaram família e amigos para se despedirem, mas “ninguém, ninguém” apareceu. “Não acreditavam que a viagem fosse tão longa. E nós seguimos, seguimos e seguimos. Mais um dia, mais uma fronteira, mais um deserto, mais um oceano, mais uma montanha. Mais além. E pessoas, cada vez mais pessoas”. Tocaram no monte Evereste, comeram ovos de pato na Ásia, dançaram com os nativos da Namíbia, entraram no túmulo do rei Tut no Egipto e navegaram por muitos mares.
Vinte e dois anos depois, quando chegaram ao ponto de partida, eram famosos. Tinham vendido cerca de cem mil cópias do livro Catching a Dream, a principal fonte de receita da viagem.
Os filhos fizeram os estudos remotamente e foram tendo aulas com a mãe. Aguardam-nos aulas presenciais. E o cumprir de muitos desejos. Paloma, 14 anos, tem as prioridades bem definidas: “O que eu mais quero é fazer muitos amigos”.