Há um edifício de entidades para integrar os refugiados ucranianos onde na recepção estão as câmaras
Depois terem sido surgido algumas dúvidas em relação às competências da Câmara Municipal de Lisboa acerca do acolhimento e da integração dos refugiados ucranianos, a vereadora dos Direitos Humanos e Sociais da câmara promoveu uma sessão em que divulgou a estratégia implementada pelo município em conjunto com o Alto Comissariado para os Migrantes.
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Depois de uma polémica que surgiu a propósito de uma mensagem da vereadora dos Direitos Humanos e Sociais da Câmara Municipal de Lisboa (CML), Laurinda Alves, sobre as responsabilidades da autarquia após o primeiro acolhimento dos refugiados ucranianos, foi promovida, nesta segunda-feira à noite, uma sessão em que se esclareceu que o processo envolve várias entidades, desde a administração central à local, desempenhando esta última um papel fulcral no terreno.
Numa semana em que se espera que se somem aos cerca de 500 refugiados vindos da Ucrânia que Lisboa já acolheu, mais de mil pessoas afectadas pela guerra, a informação foi divulgada numa sessão de esclarecimentos no Fórum Lisboa convocada por Laurinda Alves e contou com a presença de Rosário Farmhouse, presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção de Crianças e Jovens, de Marlene Jordão, em representação do Alto Comissariado para os Migrantes (ACM) e de Margarida Castro Martins, directora do Serviço Municipal de Protecção Civil de Lisboa.
“Esta sessão nasceu da necessidade imperativa de esclarecermos e ajudarmos a perceber que o acolhimento dos refugiados é um processo integrado em que todos trabalhamos com todos. É isso que tem permitido que o acolhimento das pessoas que já chegaram tenha corrido extraordinariamente bem”, afirmou Laurinda Alves, elogiando a participação da sociedade civil e a articulação da CML com o ACM no processo de acolhimento das famílias ucranianas.
Salientando que a recepção dos refugiados ucranianos tem “dimensões novas” face a outros fluxos migratórios, Marlene Jordão, coordenadora do centro de apoio à integração de migrantes, adiantou que a porta de entrada dos refugiados em Portugal será feita através dos Centros Nacionais de Apoio à Integração de Migrantes (CNAIM), que passarão a funcionar como “pontos focais” para os parceiros locais do ACM, como o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e a Polícia de Segurança Pública (PSP), “para que ninguém fique sem resposta num primeiro acolhimento”.
No caso de Lisboa, assim que os refugiados chegam à cidade, o município acciona a Protecção Civil que, por sua vez, acciona uma resposta de acolhimento, através do centro de acolhimento de emergência temporário, instalado pela CML no pavilhão desportivo da Polícia Municipal de Lisboa. Depois, já alojadas em unidades hoteleiras ou casas de famílias voluntárias, as pessoas deslocadas da Ucrânia seguem os trâmites legais de documentação, sendo encaminhadas para o CNAIM de Lisboa.
Aí, os refugiados fazem um circuito em que são primeiramente atendidos no gabinete de acolhimento e triagem para informatizarem o seu processo e realizarem uma entrevista em que se identificam as suas necessidades primárias e, de seguida, são encaminhados para as delegações do SEF a fim de fazerem o pedido de protecção temporária. Posteriormente, passam ainda pelo gabinete de assuntos sociais e inclusão do CNAIM, caso tenham necessidade sociais, e o centro partilha essa informação com o núcleo de apoio à integração de refugiados do ACM, que em articulação com o Instituto da Segurança Social (ISS), a CML e outros parceiros “tenta fazer um match entre as necessidades dos agregados e as disponibilidades de acolhimento”, explicou Marlene Jordão.
Argumentado que a “integração é feita efectivamente a nível local”, a coordenadora do centro de apoio à integração de migrantes, notou que a ideia desta estratégia é o poder central transferir a integração dos refugiados para o poder local e a sociedade civil, de quem depende fortemente, por exemplo, o alojamento dos refugiados, a fim de garantir “uma integração mais eficaz”.
Isto a par das respostas mais abrangentes do Governo a nível da saída da Ucrânia, documentação, emprego, aprendizagem da língua portuguesa, saúde, alojamento/habitação, apoio social, associações representativas de pessoas ucranianas, educação e voluntariado.
No resto do país o processo funcionará da mesma forma, podendo os refugiados recorrer aos CNAIM do Porto e de Faro.
Mais de 500 pessoas já passaram pelo centro de acolhimento de emergência
Sobre o centro de acolhimento de emergência, Margarida Castro Martins revelou que já foram recebidas mais de 500 pessoas, “que chegam por carros próprios, de comboio e de avião, referenciadas pelo ACM, pela Embaixada da Ucrânia e por associações” ou avulso. Assegurando que os refugiados recebem “cuidados de saúde imediatos de alimentação, higiene, dormida e descanso”, a directora da Protecção Civil de Lisboa explicou ainda que essa entidade faz a ponte com o ACM para garantir o pedido de protecção temporária dos refugiados, assim como sinaliza as pessoas que “não têm a quem recorrer em Portugal” ao ISS e ao ACM.
Com 100 camas para descanso, apenas sete das cinco centenas de refugiados que chegaram a Lisboa permaneceram a dormir no centro de acolhimento, tendo as camas sido usadas apenas 15 vezes, já que a grande maioria das pessoas é encaminhada para unidades hoteleiras e famílias acolhedoras, onde a câmara espera que possam ficar até ao Verão, acrescentou ainda Laurinda Alves.
No domingo, após uma reunião de balanço e avaliação da primeira semana de funcionamento do centro de acolhimento temporário, Carlos Moedas, presidente da CML, divulgou que o refeitório municipal de Monsanto já serviu 900 refeições e que a autarquia já recebeu 3 mil contactos através da linha telefónica 800 900 111 e do e-mail sosucrania@cm-lisboa.pt, criados pela câmara para receber contactos por parte dos lisboetas que queiram ajudar as famílias ucranianas residentes ou refugiadas na capital e por parte dos ucranianos que necessitem de apoio.
Da desresponsabilização à afirmação do plano de integração
Depois de ter dito que a CML “não dá sequência a mais nada após o acolhimento de emergência” dos refugiados ucranianos, a vereadora dos Direitos Humanos e Sociais da CML, Laurinda Alves, afirmou esta segunda-feira que a câmara vai avançar com o programa de integração das pessoas deslocadas da Ucrânia aprovado pelo executivo a semana passada.
A primeira afirmação, dirigida às pessoas que queiram acolher as famílias ucranianas chegadas a Lisboa, foi feita pela vereadora numa mensagem de Whatsapp em que explicou que a câmara “não se responsabiliza, não paga, não dá sequência a mais nada após o acolhimento de emergência”, o que suscitou dúvidas sobre as competências da câmara no que toca à resposta aos refugiados.
A sessão surgiu no seguimento da aprovação do Programa Municipal de Emergência, “Vsi Tut - Todos Aqui”, apresentado pelas forças de esquerda (PS, PCP, BE e a vereadora independente Paula Marques) e subscrito pelo executivo PSD/CDS, na última quarta-feira em reunião de câmara, que pretende complementar o plano de ajuda às famílias ucranianas apresentado por Carlos Moedas (PSD), já que visa não apenas o acolhimento, mas também a integração dos refugiados da Ucrânia.
“Sou bastante ‘obcecada’ com a gestão de expectativas e também por isso (e por já irmos nas centenas de famílias que se oferecem) é que decidi promover esta sessão, que também serve para assumir publicamente que a CML não tem capacidade para se responsabilizar pelo acompanhamento destas famílias, mas apenas para o acolhimento de emergência”, afirmou na mensagem a vereadora.
Explicando que a ideia da sessão é esclarecer “de forma realista e articulada como se processa o acolhimento”, a vereadora acrescentou ainda que a CML “não dá sequência a mais nada após o acolhimento de emergência”, remetendo essa responsabilidade para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) e o ISS.
Em resposta, num comunicado enviado às redacções que exige que Laurinda Alves cumpra a deliberação unânime da CML, o Partido Socialista (PS) divulgou que recebeu “com grande espanto” a nota enviada pela vereadora independente, que votou a favor da proposta apresentada pela vereação da oposição.
“Ao dizer que a CML não tem nada a ver com qualquer política de integração dos refugiados, para lá do mero acolhimento de emergência, Laurinda Alves desrespeita de forma grosseira uma decisão unânime da Câmara Municipal à qual, como vereadora, lhe compete dar seguimento”, criticaram os socialistas, apelando a que a vereadora cumpra “as deliberações dos órgãos eleitos pelos lisboetas”.
A vereadora independente Paula Marques, do movimento Cidadãos por Lisboa, eleita pela coligação PS/Livre, afirmou também nas suas redes sociais que “estamos perante um insólito recuo”, se “na óptica do PSD/CDS não existe responsabilidade da CML pelo acompanhamento destas famílias”.
“Não assumir responsabilidades, não pagar e não dar sequência a uma proposta de acolhimento e solidariedade para com vítimas de guerra contradiz a posição pública da CML sobre este tema e é desproporcional em relação à comunicação feita pelos Novos Tempos”, defendeu a vereadora.
Na sexta-feira, Carlos Moedas garantiu que o município irá acolher todos os refugiados ucranianos que cheguem a Lisboa, durante uma cerimónia relacionada com o novo centro empresarial das Docas de Pedrouços, mas não se referiu aos passos que a câmara vai tomar na integração das pessoas deslocadas.
"Que não haja dúvida nenhuma sobre a capacidade de acolher da Câmara Municipal. Vamos continuar a acolher todos e bem”, disse, em resposta aos jornalistas, lembrando que a câmara “liderou desde o primeiro momento o apoio ao povo ucraniano”.
Agora, depois de uma reunião informal da vereação esta segunda-feira de manhã, Laurinda Alves garante que “todo o executivo está unido para criar e robustecer um programa de acolhimento de emergência que tem a duração de um ano” e que assenta sobre oito eixos: habitação, trabalho, saúde, desporto, cultura, bens de primeira necessidade, mobilidade e transportes. Estando quase finalizado, a vereadora acredita que deverá ser aprovado em reunião de câmara na próxima semana.
Não revelando ainda detalhes relativamente ao “Vsi Tut - Todos Aqui”, Laurinda Alves divulgou que a câmara planeia criar uma bolsa de alojamento temporário, “a necessidade mais urgente”, que poderá passar pelo arrendamento a baixo custo de alojamentos tipo Airbnb prontos a habitar, mas não se pronunciou sobre a disponibilização de habitação da câmara numa fase mais preliminar.
Na sessão de esclarecimento, a vereadora apelou até a que as famílias que tenham disponibilidade para acolher ucranianos contactem a CML e que as famílias acolhedoras informem a câmara sobre a sua capacidade de manter os refugiados a seu cargo até ao Verão, “para que não estejam sempre a mudar [de alojamento] porque isso pode ser difícil para eles”.
Sobre as necessidades diárias dos refugiados, a vereadora divulgou que os bens doados pelas pessoas que chegam à câmara e às juntas de freguesia são recebidos e catalogados, sendo depois entregues às sete lojas sociais e aos bancos de bens da cidade, que os refugiados devem utilizar.
Até esta segunda-feira o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) registava mais de 7.200 pedidos de protecção temporária dos cidadãos com residência na Ucrânia, em consequência da invasão russa.