A moda chegou oficialmente ao Beato com a Vénus de João Magalhães
O designer contou uma história de amor com a colecção Venus and the Solitary Cloud e marcou, oficialmente, a abertura do calendário de apresentações da semana de moda da capital, a decorrer até domingo, 13 de Março.
Os convidados vão ocupando os lugares no anfiteatro do Hub Criativo de Beato. No palco, está montado um arco em flores e vários arranjos em colunas. Ninguém veio para assistir a uma peça de teatro, mas sim ao primeiro desfile da 58.ª edição da ModaLisboa. João Magalhães contou uma história de amor com a colecção Venus and the Solitary Cloud e marcou, oficialmente, a abertura do calendário de apresentações da semana de moda da capital. A narrativa traduziu-se numa colecção repleta de detalhes, com destaque para os tecidos tingidos e pintados à mão. “Adoro pôr a mão na massa”, confessa o criador, ao PÚBLICO.
No palco entram duas personagens, que dão vida a Venus e à nuvem solitária. Ele, José Reis Moreira, traz um telemóvel na mão onde captará toda a apresentação, ela, Leonor Carneiro, é bailarina e protagoniza o espectáculo. Os pronomes indicativos de género são irrelevantes na proposta de João Magalhães — a sua Vénus não é mulher nem homem. “Acredito que o amor e a moda estão cada vez menos apegados ao género”, defende.
Como criativo, João Magalhães diz-se “fascinado” com a diversidade e as possibilidades que esta oferece. A escolha dos modelos na sua apresentação é prova disso e as próprias peças, que tanto abraçam corpos femininos, como masculinos, também. Não há normas, nem regras, respeitando os limites em termos da estrutura formal. Os modelos calçam luvas adornadas com jóias e pedrarias e usam colares vistosos, resultado de uma parceira com Marcos Hasshorn.
E falando em acessórios, são de destacar, também, as máscaras que escondem o rosto de vários modelos. “Esta colecção era sobre personagens e sobre o amor. Quando nos apaixonamos por alguém vemos o bom e o mau dos outros. E descobrimos também o bom e o mau em nós. As caras são as diversas personalidades que temos dentro de nós”, explica o criador. Esses rostos estão espalhados por todas peças, sobretudo nos criativos botões.
A história de amor do jovem criador ter-se-á passado no México, de onde chegou grande parte do léxico visual desta colecção, que diz ser um cruzamento entre “o boho mexicano e o boho português”. E recorda: “Comprei um caderno de desenhos de Frida Kahlo e passei muito tempo a observá-lo, portanto, haverá alguma influência daí também.”
O símbolo da colecção — um coração em chamas — chega, todavia, não do México em particular, mas do universo religioso. “Sou uma pessoa espiritual, mas não religiosa. Ainda assim sou fascinado com as figuras da Igreja e com a arte”, conta o designer, que diz também identificar-se com as mensagens de amor da história de Jesus.
A materialidade
Em Venus and the Solitary Cloud, a assinatura de João Magalhães está bem vincada, da desconstrução, aos folhos, às minissaias, sempre com muita cor, independentemente de qual seja a estação, um conceito de divisão que confirma rever-se cada vez menos. Surpreendem os fatos em tweed, estilo Chanel, mas em cores vibrantes e formato arrojado com rachas e casacos mais curtos.
A ganga e a organza de seda, os dois materiais dominantes, foram tingidas e pintadas pelo designer, “no jardim de um amigo” e essa materialidade do processo criativo é das suas etapas favoritas no desenvolvimento de cada colecção. “Quando mais souber de construção e desenvolvimento de tecido, mais gosto”, sublinha. As suas mãos, sujas de tinta dos últimos preparativos do desfile, confirmam o que diz.
Ainda que a ganga — que aqui surge tingida e pintada — não seja tradicionalmente um material sustentável, em virtude do consumo de água necessário para as lavagens, continua a ser base de eleição para as colecções de João Magalhães. O criador acredita que mais do que a composição dos tecidos usados numa colecção, o caminho para a moda mais amiga do ambiente está na durabilidade. “Tenho jeans há 20 anos. É um material extremamente durável”, lembra.
E, em jeito de conclusão, dá um exemplo que é também uma reflexão: “Hoje vim com um casaco da Dior dos anos 70 que comprei em segunda mão e está impecável. Alguma coisa mudou desde essa altura, uma vez que hoje as marcas de luxo não duram tanto tempo.”
Com todos os modelos no palco, perante uma plateia em êxtase, terminou o primeiro dia da ModaLisboa Metaphysical, a habitar o Hub Criativo do Beato até ao próximo domingo, 13 de Março. Esta sexta-feira, a tarde será marcada pela final do concurso Sangue Novo e os desfiles de Duarte, Behén e Kolovrat.