Pedro Soares dos Santos: “Vai haver uma loucura de tentativa de subida de preços”
Grupo de distribuição que detém o Pingo Doce, a polaca Biedronka e a colombiana Ara vê igual pressão inflacionista nos três mercados onde é retalhista alimentar. A inflação nos cereais “é muito superior ao que estamos a falar neste momento”, defendeu hoje o líder do grupo Jerónimo Martins.
“Ao contrário das minhas projecções, tal como eu estava habituado a tê-las, [elas] estão muito, muito reservadas e vou mantê-las muito reservadas, porque eu não tenho a certeza exacta dos impactos da inflação” na operação do grupo e em geral, admitiu esta quinta-feira, Pedro Soares dos Santos, em conferência de imprensa com os jornalistas, marcada a propósito dos resultados consolidados de 2021.
Neste contexto, Pedro Soares dos Santos, que trabalha no grupo Jerónimo Martins desde 1983 – dois anos antes de a rede Pingo Doce ser lançada –, que é administrador da companhia desde 1995 – ano em que a Biedronka entrou no grupo –, e que desde 2010 lidera a comissão executiva da companhia, não se quis alongar muito sobre as perspectivas para 2022.
“Sei que na parte de tudo o que é commodities [neste caso matérias-primas agrícolas transaccionáveis nos mercados internacionais], a inflação é muito superior a tudo o que se está a dizer neste momento no mercado - quando se pensa que o mercado tem uma inflação de 10%, quando se olha para os cereais tem 40% a 50% e o impacto todo que tem na cadeia alimentar depois é muito grande”, afirmou o administrador-delegado e presidente da Jerónimo Martins SGPS. “A reserva que tenho é muito grande, é demasiada incerteza e eu prefiro ser muito cauteloso nessa matéria”, concluiu, em resposta à questão sobre as previsões de facturação num contexto de inflação e perda de poder de compra real em 2022.
O presidente do grupo que actua na distribuição e tem vindo a investir nos últimos anos na produção alimentar avisou: “Vai haver uma loucura de tentativa de subida de preços e que nós vamos ter uma grande luta para travar”. Mas há limites, reconheceu.
“O que nós, Jerónimo Martins, vamos tentar absorver e vamos tentar passar... Nós não vamos ficar com tudo”, disse, referindo-se à capacidade que a distribuidora terá de absorver o aumento dos preços pagos aos produtores e em que medida esse impacto pode ser repassado aos consumidores finais. É isto, declarou, “que vai ser o grande exercício das próximas quatro ou cinco semanas”.
A JM “está preparada para mitigar e poder equilibrar o que é que pode passar ao consumidor e o que é que vai ter de absorver [ela própria] mesmo que isso implique alguma revisão, talvez, de alguma lucratividade”, afirmou Pedro Soares dos Santos. “E isso tem a ver, realmente, com o que se vai passar nas próximas quatro semanas nos aumentos de custos”, reiterou. “Por exemplo”, avançou o presidente da JM, “o óleo aumentou 60% - isto é um impacto brutal na vida das famílias”.
Leite, carne, ovos, massas e óleos: JM vê preços a subir
Com 465 supermercados Pingo Doce e 42 cash & carry Recheio (e 460 lojas da rede Amanhecer) em Portugal; 3250 unidades Biedronka e 291 para-farmácias Hebe na Polónia; e 819 lojas de proximidade Ara na Colômbia, a JM vê “igual pressão” inflacionista nos três mercados em que opera, disse o presidente do grupo.
“Óleos e farinhas”, com subidas “de 40%” na Colômbia, disse, acompanhando o resto da evolução que acredita ser igual no resto da América Latina, também fazem parte da lista que Isabel Pinto deu, minutos depois, na mesma conferência de imprensa, quando questionada sobre os alvos mais sensíveis à pressão alimentar a curto prazo. A directora-geral do Pingo Doce desde 2015 admitiu aos jornalistas que “o incremento dos cereais é, de longe, o maior”.
“No ano passado já houve uma grande inflação em todos os produtos que dependem directa ou indirectamente dos cereais”, contextualizou. Mas Isabel Pinto explicou que “as razões do ano passado foram outras”, que “não têm a ver com a guerra na Ucrânia”, mas com “a reposição dos stocks por parte da China [cujo tamanho do mercado de consumo faz com que o impacto na procura e oferta seja global a cada vez que há alteração]”. A China teve há dois anos “uma crise suína”, disse, procurando em 2020 “animais vivos e não rações”, compostas de cereais. Mas no ano passado retomou as compras de rações “o que fez com que a procura aumentasse”, num contexto de oferta penalizada pela seca da América do Sul, acrescentou.
“A guerra [na Ucrânia] começou há duas semanas, começámos a receber novamente incremento neste tipo de produtos”, reconheceu Isabel Pinto. Mas “ainda não sabemos - ainda estamos em processos negociais -, ao certo, qual será o final do incremento”, afirmou. “Sabemos é que são, de facto, grandes incrementos, que hão-de afectar essencialmente as massas, os óleos e as rações, que têm impacto em tudo o que vem do animal [gado e aves], nomeadamente o leite, a carne e os ovos”.
Já em Fevereiro, avaliou a FAO há uma semana, antes da invasão da Ucrânia pela Rússia, os preços dos alimentos pedidos pelo índice da Organização para a Alimentação e a Agricultura das Nações Unidas estava em máximos de 26 anos, desde que o indicador ponderado dos preços de cinco matérias-primas agrícolas e bens alimentares transaccionados nos mercados internacionais (carne, lacticínios, cereais, óleos vegetais e açúcar) foi criado. E o principal motivo, no arranque do ano, para o índice de preços dos Alimentos da FAO ter disparado 20,7% face a Fevereiro de 2021, quando já estava em máximos desde 2014 (e em ano de pandemia ainda, convém recordar) nem eram os cereais, mas os óleos vegetais – que entram na cadeia alimentar de forma directa, junto do consumidor, e via indirecta através de várias indústrias alimentares.
“O forte aumento do índice de preços de óleo vegetal, explicou a 4 de Março a organização, “deve-se principalmente à forte procura global de importações, juntamente com alguns factores do lado da oferta”, onde a FAO inclui o fornecimento limitado de produto para exportação de óleo de palma da Indonésia, “o maior exportador mundial”, uma “perspectiva mais fraca para a produção de soja na América do Sul”, e “receios de exportações mais baixas de óleo de girassol devido a perturbações na região do Mar Negro”, onde se desenrola actualmente o conflito entre Rússia e Ucrânia.
Uma situação que se agravou desde o fecho dos portos ucranianos ao comércio internacional, a decisão de Kiev de suspender as importações devido à segurança alimentar do país invadido desde 24 de Fevereiro e desde as sanções retaliatórias da UE, EUA e Reino Unido à economia russa.