Numa intervenção recente, já depois da invasão da Ucrânia por parte da Rússia, o presidente da Agência Internacional de Energia aconselhava os europeus a baixarem o termóstato do aquecimento em apenas um grau, para diminuir as necessidades de importações de gás russo. Para populações que estão a vestir a camisola da solidariedade, ajudando como podem os refugiados desta guerra, vestir mais uma peça de roupa não é muito, e tem algum impacto.
Em Portugal, seria bom que pudéssemos seguir o mesmo conselho. Mas, por cá, o problema é a falta de aquecimento nas casas, a deficiente construção, e a pobreza energética, que nos deixam algo à margem deste apelo que, segundo as contas do líder da AIE, poderia poupar à Europa uns dez mil milhões de metros cúbicos, no período de um ano. O valor não chega a 10% das 155 mil milhões de toneladas deste combustível anualmente compradas àquele país, mas é um contributo, que se junta a um conjunto de medidas, anunciado esta terça-feira por Bruxelas, para quebrar esta dependência.
Mas podemos, e devemos, fazer algo. Infelizmente, não sabemos quando, e como, terminará esta agressão que ressuscitou, na Europa, o espectro da morte, do sofrimento e da deslocação forçada de milhões de pessoas. Mas parece claro que, acabe como acabar, a relação do Ocidente com a Rússia mudou no dia em que Putin ordenou a invasão. Assim sendo, com maior dificuldade para alguns países do que outros, mesmo num período de turbulência económica, assistiremos a um acelerar de investimentos na transição energética, para cumprir ainda em 2023 parte do que era previsto fazer nos próximos sete anos.
São várias as frentes para onde a UE e os governos, como o português, se terão de virar. É possível, por exemplo, que por indicação europeia aumentem brevemente os incentivos para obras de eficiência energética nos edifícios e aquisição de equipamentos de aquecimento "verdes". Para já, o actual e futuro executivo de António Costa enfrentam forte pressão para intervir nas tarifas de electricidade e baixar o Imposto sobre Produtos Petrolíferos. É importante que, no curto prazo, algo seja feito para diminuir o impacto da escalada do gasóleo e da gasolina, tendo em conta que os custos energéticos, entre outros factores, vão também encarecer um conjunto significativo de bens e serviços. Mas não devíamos ficar por aí.
Da mesma forma que, na Europa, se acelera a transição, mesmo em tempos conturbados, seria importante também que o Governo estimulasse a sociedade, ou parte dela, a mudar alguns comportamentos. Porque há aspectos do nosso estilo de vida que, por causa de outra crise que até está a piorar, a climática, deveríamos, mesmo, mudar. Recuperar utilizadores para o transporte público, cuja procura foi abalada pela covid-19, é urgente. E podemo-nos perguntar se em vez de manter apenas a dependência de uma mobilidade assente em combustíveis fósseis, Portugal não deveria seguir o exemplo de outros países e criar estímulos, financeiros, a mais deslocações a pé e em bicicleta para o trabalho, como defendem as associações do sector. Isto beneficiaria, desde logo, pessoas que já o fazem, por não terem carro. Que são, normalmente, mais pobres, e estão a pagar, na comida que compram, por exemplo, o preço de todo um sistema logístico dependente do petróleo.
Em todo o caso, assim como o presidente da AIE propõe que vistamos mais uma camisola, e baixemos um grau no termóstato (ligação em inglês), este é o momento em que, mesmo sem os estímulos acima referidos, devemos fazer contas aos produtos que consumimos habitualmente, e à electricidade e combustível que gastamos. Neste caso, e admitindo-se novas subidas de preço, temos de pensar, seriamente, se precisamos de usar o carro em todas as circunstâncias em que o fazemos. Para quem tem um automóvel que consuma seis litros de gasolina aos cem quilómetros, em cidade, fazer a pé ou de bicicleta percursos curtos, de 15 minutos (seis, em duas rodas) pode levar a poupanças de algumas dezenas de euros por mês. E o impacto dos nossos gestos nesta economia que atenta contra o planeta e alimenta ditaduras, e guerras, em vários pontos do mundo até seria certamente maior se, como está a ser proposto numa petição belga, resgatássemos os domingos sem carros criados na Holanda no final de 1973, no meio da crise com a OPEP (em baixo, uma foto desses dias, do Arquivo Nacional dos Países Baixos). Por uma causa maior — ou duas — há sacrifícios que valem a pena.
Regressamos para a semana, com os Pés na Terra. Deixo-lhe entretanto uma ligação para vários e interessantes trabalhos sobre a crise climática, publicados no âmbito de mais um aniversário do PÚBLICO e destaco, ainda, esta imperdível entrevista de Alexandra Prado Coelho a António Guerreiro, sobre esta outra crise que a guerra varreu para debaixo do tapete da actualidade, mas não das nossas vidas.