A igualdade não pode ficar para trás
As mulheres continuam a estar mais expostas às múltiplas formas de discriminação, em particular à pobreza e à violência.
Longe vão os dias vividos em 1908, quando 15 mil mulheres marcharam por Nova Iorque exigindo horários de trabalho mais curtos, melhores salários e o direito de voto. Um ano mais tarde era declarado o primeiro Dia Nacional da Mulher na América e em 1911 celebrava-se o primeiro Dia Internacional da Mulher (e a partir de 1975 pelas Nações Unidas). Cento e onze anos depois continua a fazer sentido assinalar esta data num mundo em que o tempo necessário para ultrapassar o gap global da desigualdade de género aumentou uma geração: de 99,5 para 135,6 anos.
Se por um lado esta efeméride se tornou numa data para celebrar o quão longe as mulheres chegaram na sociedade, na política e na economia, por outro lado, o preconceito, a discriminação e a violência contra as mulheres continuam ainda bem presentes na nossa sociedade e a pandemia, causada pelo novo coronavírus, tem tido um enorme impacto nos direitos das mulheres. Desde logo ao nível do trabalho, onde uma vez mais, foram as mulheres que foram remetidas para a esfera familiar, com mais de 80% dos pedidos de apoio à família a serem feitos por mulheres; no que respeita à violência contra meninas e mulheres, como a mutilação genital feminina, estima-se que por força da pandemia, 2 milhões de meninas tenham ficado em risco; “tradicionalmente” têm sido incompreensivelmente adiados aspetos como a equiparação salarial entre homens/mulheres em cargos similares ou do número de mulheres em cargos de topo. De acordo com um estudo da McKinsey que, entre outros aspetos, analisou a composição de diversas empresas, em 2020, apenas 35% dos cargos de diretor/gestor sénior eram exercidos por mulheres. Se olharmos para cargos de vice-presidência, por exemplo, aquele número cai para 30%. Em contrapartida, em início de carreira, a percentagem de mulheres sobe para 48%. Desta discrepância na representatividade no feminino é evidente que são os homens que mais facilmente ascendem a cargos de relevância: para cada 100 homens que são promovidos, 86 mulheres são promovidas.
O fosso entre géneros é gritante também ao nível da participação na vida política - atingir a paridade a este nível só daqui a 145,5 anos. Nos 156 países cobertos pelo índice do Fórum Económico Mundial, as mulheres representam apenas 26,1% de cerca de 35.500 lugares parlamentares e apenas 22,6% de mais de 3400 ministros em todo o mundo. Em 81 países, nunca houve uma mulher cabeça de Estado. Veja-se o caso de Portugal onde nunca uma mulher exerceu o cargo de Presidente da República e o mais que se conseguiu foi ter, por um ano, uma primeira-ministra e, desde o congresso do PAN de 5 de junho de 2021, apenas cinco mulheres lideraram um partido político no nosso país! Acresce que das últimas eleições legislativas não só resultou mais pobre o mosaico político - com a agravante de estarmos agora com um Governo de maioria absoluta -, como também a presença das mulheres na Assembleia da República. Mesmo com uma lei da paridade em vigor no nosso país desde 2006, entre os 226 deputados agora eleitos estão somente 84 mulheres, menos cinco do que nas legislativas de 2019. A composição final do Parlamento ainda dependerá das saídas e substituições necessárias para formação do Governo. Ou seja, as mulheres representam agora somente 37% do hemiciclo.
Não é, por isso, de estranhar que Portugal se posicione abaixo da metade da tabela do “The Global Gender Gap Index” para a região da Europa Ocidental e América, contrastando com os lugares cimeiros ocupados pelo “top 5” dos países mais igualitários em termos de género no mundo: Islândia, Finlândia, Noruega, Nova Zelândia e Suécia.
Mais recentemente, com o mundo de olhos postos na invasão da Rússia à Ucrânia, perante todo o drama humanitário provocado por esta guerra, somam-se as denúncias que começam a surgir de casos de violência sexual contra as mulheres. Sabemos que esta realidade não é de hoje e que, em contexto de guerra, a violência sexual contra mulheres também tem sido usada como uma arma de poder, humilhação e subjugação. Foi assim no Vietnam, na Bósnia, na Nigéria, entre tantos outros lugares, e até no quotidiano, mesmo naqueles lugares que não estão sob o jugo da guerra.
Neste mundo que continua a ser profundamente desigual, a batalha para a qual deveríamos estar todas e todos convocados, é para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Pois por mais que falem em meritocracia, a verdade é que não temos todos o mesmo ponto de partida. As mulheres continuam a estar mais expostas às múltiplas formas de discriminação, em particular à pobreza e à violência. Mais do que nunca, o mundo e as mulheres precisam de paz. De um pacto de não violência, sob pena de continuarmos a ser todos iguais, mas uns mais iguais do que outros. E neste mantra que repetidamente ouvimos dizer, o de “não deixar ninguém para trás”, a igualdade não pode mesmo ficar para trás.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico