Há quem esteja a reservar alojamentos turísticos na Ucrânia: para apoiar financeiramente e enviar “força!”

“Ajuda-nos realmente a sobreviver a estes tempos duros. Dá-nos força e motivação”, respondeu um anfitrião ucraniano surpreendido com uma reserva. É que estas são reservas solidárias e, definitivamente, não para serem aproveitadas como turismo. A ideia foi lançada nas redes como forma de apoiar rapidamente quem tenta sobreviver à guerra. Airbnb já processou não-reservas e avançou que não está a cobrar comissões.

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Nas ruas de Kiev, um homem passa à frente de protecções anti-tanque. Na parede: Eu amo Ucrânia EPA/ZURAB KURTSIKIDZE

A ideia foi lançada nas redes e já está a ter efeitos. A nenhum turista passaria pela cabeça reservar um alojamento na Ucrânia, mas eis que houve quem tivesse precisamente essa ideia. E começaram a chover reservas que estão a surpreender e a emocionar muitos ucranianos. Quem as faz, naturalmente, não pretende de todo visitar o país: é mais uma forma encontrada para apoiar quem está a viver a guerra na pele e transferir esse apoio financeiro de imediato. No caso da Airbnb, que esta semana anunciou 100 mil alojamentos gratuitos para deslocados ucranianos, a empresa já veio dizer que foram retiradas as comissões.

Segundo o portal TTGMedia, especialmente destinado a quem trabalha na indústria turística, a ideia começou a popularizar-se precisamente entre viajantes e profissionais de viagem e da hotelaria. Um dos viajantes que ajudou a divulgar a iniciativa foi Dean Nicholson, célebre por dar voltas ao mundo com a sua gatinha Nala e que, por sinal, já teve direito a destaque na Fugas. No Insta é 1bike1world, tem mais de um milhão de seguidores e partilhou este plano de reservas nas suas stories.

“Eu vi a ideia e pensei ‘boa! gosto disto’, por isso fiz o mesmo”, disse uma seguidora de Dean, Sarah Archer, gerente de um operador de viagens britânico, Beachcomber Tours, ao TTG. “Todos nós queremos tentar fazer algo pelo povo da Ucrânia”.

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Nas stories de Dean Nichols, que tem mais de um milhão de seguidores

Archer procurou apartamentos disponíveis em Kiev, que fossem propriedade de um particular e não de uma empresa, e reservou a estada de uma noite por cerca de 50 euros. Depois enviou uma mensagem ao proprietário referindo que não era uma verdadeira reserva mas uma forma de apoio e de enviar “força!”. “Pensei apenas que poderia ajudar alguém no terreno que não conheço, como um acto aleatório de bondade”.

Como trabalhadora na indústria das viagens, sublinha “que poderia ser qualquer um de nós”. “Num momento estás a alugar um apartamento a um turista, no minuto seguinte estás numa zona de guerra”.

Não está sozinha na iniciativa. Além de outros exemplos no TTG, nos EUA a iniciativa também já mereceu destaque. Sarah Brown, anfitriã da Airbnb em Park City, Utah, contou ao Today do canal NBC que reservou uma estada de quatro noites em Kiev por 200 dólares (180 euros). “Para mim foi a forma mais simples de me sentir ligada a uma pessoa que está a viver esta situação” na Ucrânia, disse. Ela própria é anfitriã na plataforma Airbnb e achou uma excelente ideia ajudar “colegas” de um país sob ataque. “Pareceu-me a coisa certa a fazer”, comenta.

Depois da reserva, o passo seguinte é informar a pessoa de que não é uma reserva real mas apenas uma forma de dar apoio. “Uma forma de enviar um pouco de amor”, disse Brown. “Tem importância e ajuda-nos realmente a sobreviver estes tempos duros. Dá-nos força e motivação”, respondeu, agradecendo (com vários corações) a anfitriã. Uma resposta, entre a emoção, a surpresa e o agradecimento que se vai repetindo.

Também Sarah VanSlette, depois de ver a iniciativa de Brown, fez de seguida uma reserva solidária em Kiev. “Quando a situação normalizar, convido-a para ver os monumentos UNESCO”, respondeu o anfitrião ucraniano entre agradecimentos e “Glórias à Ucrânia”. Resta a esperança de que a fúria da invasão não os destrua.

O canal falou ainda com outra aderente à iniciativa, Emilee Ayers, do Texas, que decidiu participar no movimento e também fez uma não-reserva solidária. “Procurei especificamente pessoas que não fossem grandes empresas de alojamento”, “queria que o meu dinheiro fosse para uma pessoa real”. Também aqui a resposta foi emotiva perante a surpresa. “É um acto de bondade da sua parte, não faz ideia de como nos faz sentir nestes tempos difíceis... Espero poder recebê-la um dia em Kiev, livre e em paz, quando tudo tiver terminado. Nós [estamos] a lutar e a rezar”, escreveu a anfitriã.

Nos casos exemplificados, os contributos variaram entre 80 e 200 dólares (entre cerca de 72 e 180 euros).

Também no Twitter já surgiram outras publicações com reservas similares, noticia o The Guardian, caso de Mario DiMaggio, referindo-se que foram feitas ainda antes da Airbnb ter retirado as comissões. Ao jornal, a plataforma confirmou que todas as reservas efectuadas na Ucrânia passam a ser sem as habituais comissões sendo todo o dinheiro entregue aos proprietários.

A empresa adiantou ainda que pondera retirar-se da Rússia em consequência da invasão da Ucrânia. Em relação à iniciativa de oferecer alojamento para até cem mil deslocados ucranianos, a Airbnb refere que obteve uma “resposta extraordinária” à iniciativa, com mais de 260 mil visitas à página onde se pode registar a casa para receber pessoas ou para doações.

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