Em busca do tempo perdido: o fim da recomendação não deve ser o fim do teletrabalho
Há benefícios económicos, ambientais, de saúde pública, saúde mental, sociais, e de bem-estar que não podem ser ignorados e há formas de minimizar os riscos potenciais.
No futuro, chamaremos ao teletrabalho apenas trabalho. Assim começa um artigo na revista Bloomberg sobre uma das alterações que a pandemia acelerou e que vai na direção certa para a sociedade, economia, para a saúde e bem-estar e, de forma muito importante, para o ambiente.
É possível que, se correr tudo pelo melhor, a covid-19 deixe de ser motivo relevante para o teletrabalho e recentemente acabou a recomendação oficial. No entanto, o fim da recomendação não pode ser o fim do teletrabalho.
Os seus benefícios não podem ser esquecidos nesta fase de transição. É importante que os trabalhadores, empregadores e os governos reconheçam este potencial e tendência e que se encontre um caminho para maximizar esses benefícios. Não podemos deixar passar a oportunidade.
Cada vez mais pessoas preferem oportunidades de teletrabalho e trabalho híbrido, especialmente em trabalho com competências diferenciadas. Grandes empresas e consultoras internacionais estão a manter teletrabalho a 100% e é expectável que o teletrabalho continue a crescer e que 25% de todos os empregos sejam em trabalho em 2022 nos EUA.
O fim da recomendação não pode ser o fim do teletrabalho.
Benefícios de saúde e saúde pública
Existe evidência de que para muitos o teletrabalho melhorou a sua saúde mental e o seu equilíbrio vida-trabalho, existindo evidência recente que favorece o teletrabalho e regimes mistos, apesar das variações de contextos e da desejável flexibilidade face a preferências dos trabalhadores e empregadores. Isto não é irrelevante considerando que nos países desenvolvidos os problemas de saúde mental são responsáveis por cerca de 20 a 30 % da soma de todos os anos vividos com qualquer doença ou incapacidade tendo um custo económico e social muitíssimo elevado.
O teletrabalho pode também reduzir a disseminação de infeções respiratórias virais como acovid-19 e a gripe, especialmente no inverno. De facto a gripe era antes da covid-19 a doença infeciosa com mais custos económicos devido a perda de anos de vida por incapacidade e doença.
Com menos tempo perdido em deslocações , há mais tempo para atividade física, cultural e social (tão importantes para a saúde física e mental) e para o próprio trabalho efetivo. Para além disso, a possibilidade de viver mais longe do local de trabalho por motivos familiares é relevante. As longas horas em transportes ou engarrafamentos, têm impacto na saúde mental e níveis de stress e contribuem para a diminuição da qualidade do ar das cidades.
A poluição do ar terá já atingido em muitos locais níveis pré-covid-19. A diminuição da qualidade do ar é um dos fatores de risco mais importantes de saúde pública que implica um aumento relevante da incidência de cancro, doenças cardiovasculares e respiratórias, tendo sido considerada pela Organização Mundial da Saúde como sendo uma das 10 maiores ameaças à Saúde Global em 2019 a par com as alterações climáticas.
Impactos ambientais e alterações climáticas (e os seus custos sociais, de saúde pública e geopolíticos)
O teletrabalho pode reduzir grande parte das emissões de CO2 em transportes sendo que estes consomem um terço de toda a energia na UE e representam quase um quarto das emissões de gases com efeito de estufa na Europa. A maior parte dessa energia ainda provem do petróleo e os transportes terrestres produzem mais de 70 % das emissões.
Os Custos Sociais por Tonelada de CO2 Emitida podem ser seis vezes superiores ao inicialmente previsto e vão afetar de forma absolutamente desproporcional os países do sul da Europa e do Sul Global. A seca será um dos grandes problemas, e já se faz sentir nos tempos de hoje em Portugal, que passa por uma seca sem precedentes. Indiretamente o aquecimento global irá facilitar a disseminação no sul da Europa de mosquitos e outros insetos que transmitem doenças perigosas como a malária, a dengue, a febre amarela, a febre do Nilo ocidental, entre outras. O impacto económico e danos permanentes de longos períodos de seca e de fenómenos climáticos extremos (ondas de calor, tempestades e períodos de frio intenso e cheias) serão também mais frequentes.
Finalmente, haverá impactos geopolíticos relevantes nas relações entre os países e no custo e acessibilidade de bens fundamentais como a água. A lei internacional atual prevê que Espanha apenas tenha que deixar passar uma percentagem do caudal dos seus rios. Cerca de 50% dos recursos hídricos Portugueses são gerados na parte espanhola das bacias da Península. Importa relembrar que a produção de combustíveis tem um custo hídrico de cerca de 12 a 24 litros de água por litro de gasolina e que os combustíveis fósseis são a componente do sector energético com maior consumo de água (water footprint) na União Europeia.
Benefícios económicos diretos para os trabalhadores (e sociedade), produtividade e equidade
Para a sociedade e para muitas pessoas há um impacto económico direto em custos de deslocação, especialmente em contexto de aumento do custo dos combustíveis que terão aumentos históricos devido ao clima de guerra. Este impacto económico global pode atingir desproporcionalmente os estratos socioeconómicos intermédios e menos elevados com distâncias de deslocações mais longas.
Para além disso o teletrabalho maioritário permite alargar as opções de alojamento em termos de localização permitindo soluções de habitação mais económicas contribuindo, para minimizar os problemas da redução da população de algumas regiões do país.
A eliminação do tempo perdido em viagens para os locais de trabalho pode resultar em mais tempo efectivo de trabalho e facilitar momentos de deep-work e maior produtividade. No entanto existem riscos e importa a existência de uma cultura organizacional participada e de envolvimento, que acompanhe o trabalho e defina objetivos de curto e médio prazo, que se foque nos produtos do trabalho e não nas horas que se passa no gabinete ou mesmo “ligado” a partir de casa. Sem essa cultura, mesmo sentados num gabinete, pode existir baixa produtividade (presencialismo). Algumas análises apontam esse motivo como contributo para diferenças de produtividade observadas entre países com mais e menos horas de trabalho semanal.
Os riscos potenciais do teletrabalho podem ser minimizados através de acompanhamento próximo e envolvimento participado dos trabalhadores, garantindo momentos de qualidade para promoção da cultura organizacional, coesão, visão e valores, que poderão ser ocasionalmente presenciais.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico