Poluição do ar ligada à morte prematura de quase seis mil pessoas em Portugal

Relatório da Agência Europeia do Ambiente divulgado esta segunda-feira expõe os riscos da poluição por partículas finas que terá causado um total de 307 mil mortes na União Europeia em 2019.

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A poluição atmosférica continua a ser um fardo significativo de morte prematura e doença em Portugal Nelson Garrido

A exposição de longo prazo às partículas finas em Portugal esteve associada a 4900 mortes prematuras em 2019, revela uma análise da Agência Europeia do Ambiente (EEA, na sigla em inglês) publicada esta segunda-feira. Feitas as contas aos três principais poluentes examinados, que, além das partículas finas, incluem o dióxido de azoto e o ozono ao nível do solo, a poluição do ar em Portugal foi associada a um total de 5710 mortes prematuras em 2019.

Os dados divulgados esta segunda-feira pela EEA indicam uma redução de cerca de 10% nas mortes prematuras ligadas à poluição do ar por partículas finas na União Europeia (UE) em 2019, o ano em análise. Em Portugal mantém-se tudo igual aos últimos dois relatórios da EEA com 4900 mortes prematuras associadas às partículas finas (PM2,5) – partículas em suspensão no ar com diâmetro inferior a 2,5 micrómetros –, mas com uma ligeira diminuição na mortalidade associada aos outros dois poluentes estudados, o dióxido de azoto e o ozono.

Baseado nas medições recolhidas por mais de quatro mil estações de monitorização na Europa, o relatório Impactos da Poluição Atmosférica na Europa, 2021 apresenta estimativas actualizadas sobre como três poluentes-chave – partículas finas, dióxido de azoto, ozono ao nível do solo – afectaram a saúde dos europeus em 2019.

“Em 2019, a poluição atmosférica continuou a conduzir a um fardo significativo de morte prematura e doença nos 27 Estados-membros da UE: 307 mil mortes prematuras foram atribuídas à exposição crónica a partículas finas; 40.400 mortes prematuras foram atribuídas à exposição crónica ao dióxido de azoto; 16.800 mortes prematuras foram atribuídas à exposição aguda ao ozono”, contabiliza a EEA.

Redução no NO2 e O3

Os valores para Portugal demonstram que em 2019 a exposição a partículas finas esteve associada a 4900 mortes prematuras, num total de 51 mil anos de vida perdidos ou 523 anos de vida perdidos por 100 mil habitantes.

No capítulo do dióxido de azoto (NO2), o balanço é de 540 mortes prematuras, num total de 5600 anos de vida perdidos ou 57 anos de vida perdidos por 100 mil habitantes. No anterior relatório divulgado em 2020, apoiado em dados de 2018, a mortalidade associada a este poluente era de 730 óbitos.

Por fim, sobre os danos causados pelo ozono (O3) as estimativas somam mais 270 mortes prematuras em Portugal em 2019, que representam 2900 anos de vida perdidos ou 30 anos por 100 mil habitantes. Esta estimativa representa também uma redução em relações aos dados de 2018, quando as mortes prematuras por causa do ozono chegavam a 370.

No total, as mortes associadas a estes três poluentes em Portugal passaram de 5830 (em 2016) para 6020 (em 2018), mas agora terá sido possível inverter a anterior tendência de aumento com uma ligeira diminuição da estimativa para 5710 óbitos prematuros em 2019.

Na leitura de outro indicador, o relatório assinala ainda que os “benefícios mínimos” para Portugal, se a directriz de qualidade do ar da Organização Mundial de Saúde (OMS) fosse cumprida em 2019, podiam significar menos 1900 mortes prematuras associadas às partículas finas PM2,5. Ou seja, menos 39% de mortes.

Lisboa e Porto passam limites

Ainda na ressaca da cimeira do clima (COP26), o presidente da Zero - Associação Sistema Terrestre Sustentável, não se mostra surpreendido com este mau desempenho de Portugal. Mais do que a concentração das partículas finas, Francisco Ferreira alerta para os elevados níveis de dióxido de azoto nas cidades e que é sobretudo causado pelo tráfego automóvel, sublinhando que na passada sexta-feira a Comissão Europeia decidiu apresentar uma acção contra Portugal no Tribunal de Justiça da União Europeia devido à má qualidade do ar por causa deste poluente.

Francisco Ferreira lembra velhos apelos e avisos. “É preciso reforçar as zonas de emissões reduzidas nas cidades e a nossa proposta é mesmo para a criação de zonas zero”, diz. Tirar o trânsito dos centros urbanos seria uma medida importante. “Não resolve o problema mas era um grande contributo”, refere o responsável da Zero adiantando que as medições mais recentes de NO2 na Avenida da Liberdade, em Lisboa, indicam valores muito superiores aos limites máximos e aos registados antes da pandemia. Assim, sabendo que o valor limite para o dióxido de azoto é 40 microgramas por metro cúbico, fica o dado preocupante: nos primeiros 15 dias de Novembro, sem vento para ajudar a dissipar o dióxido de azoto, os valores dessa mesma estação em Lisboa chegam a uma média diária de 85.

A OMS fixou em Setembro limites mais rígidos para os principais poluentes atmosféricos, entre os quais partículas transportadas pelo ar, responsáveis por sete milhões de mortes prematuras por ano, principalmente nos países pobres. Esta foi a primeira actualização das directrizes da OMS para a qualidade do ar desde 2005.

No caso do NO2, por exemplo, a proposta da OMS é baixar dos 40 para os dez microgramas por metro cúbico. Mas falta saber qual será a decisão da Comissão Europeia que pode (ou não) seguir à risca esta recomendação, bem como a de baixar dos 20 para os cinco microgramas por metros cúbico de PM2,5.

O relatório da EEA também mede os progressos dos países na UE com vista a cumprir a meta de reduzir o número de mortes prematuras devido à exposição a partículas finas em mais de 55% até 2030.

O maior risco ambiental para a saúde

De acordo com as últimas estimativas da EEA, 307 mil pessoas morreram prematuramente devido à exposição à poluição por partículas finas na UE em 2019. Pelo menos 58%, ou 178 mil destas mortes, poderiam ter sido evitadas se todos os Estados-membros da UE tivessem atingido o novo nível de cinco microgramas por metro cúbico da directriz de qualidade do ar da OMS.

“O investimento em aquecimento mais limpo, mobilidade, agricultura e indústria proporciona melhor saúde, produtividade e qualidade de vida para todos os europeus e especialmente para os mais vulneráveis. Estes investimentos salvam vidas e também ajudam a acelerar o progresso para a neutralidade de carbono e uma forte biodiversidade”, alerta Hans Bruyninckx, director executivo da EEA, citado no comunicado de imprensa.

Por seu lado, o director regional da OMS para a Europa, Hans Henri P. Kluge, assinalou que ainda há “um longo caminho a percorrer para atingir os níveis das novas Directrizes Globais de Qualidade do Ar da OMS”.

“A poluição atmosférica é uma das principais causas de morte prematura e doença e é o maior risco ambiental para a saúde na Europa. As doenças cardíacas e os acidentes vasculares cerebrais são as causas mais comuns de mortes prematuras atribuíveis à poluição do ar, seguidas das doenças pulmonares e do cancro do pulmão”, insiste a nota da EEA no relatório anual mais recente. Ainda que os dados da análise se refiram ao ano de 2019, a agência europeia sublinha que outros dados “publicados no início deste Outono mostraram que os níveis de poluição atmosférica permanecem acima dos limites legais da UE”.

A análise dos impactos na saúde de 2019 foi feita utilizando ainda os cálculos recomendados pela OMS em 2013 para se manter em linha com as estimativas dos anos anteriores, mas a EEA pretende “alinhar totalmente a sua análise com as novas directrizes globais de qualidade do ar da OMS” no próximo ano.

O relatório da EEA é publicado poucos dias antes do Fórum do Ar Limpo da UE, que terá lugar a 18 e 19 de Novembro de 2021.

(Notícia actualizada com o comentário de Francisco Ferreira, presidente da Zero - Associação Sistema Terrestre Sustentável)

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