Kherson, importante cidade portuária ucraniana, já estará nas mãos dos russos

Autoridades locais confirmam tomada da cidade e dão conta das restrições impostas pelos invasores. Em dia de nova ronda de negociações, ONU estima que mais de um milhão de pessoas tenham saído da Ucrânia desde o início da guerra.

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Tanques ucranianos em Kherson, antes da penetração russa na cidade portuária UKRAINIAN ARMED FORCES/Reuters

Às primeiras horas desta quinta-feira, o presidente da câmara de Kherson, Igor Kolikhaiev, e o dirigente da administração regional, Guennadi Lakhuta, confirmaram aquilo que já se receava na noite anterior, mas que o Governo ainda não dá como certo: a cidade portuária, localizada na região sul da Ucrânia, é a primeira grande cidade do país a cair nas mãos das tropas da Federação Russa.

“Os ocupantes [russos] estão em todas as zonas da cidade e são muito perigosos”, alertou Lakhuta, citado pela AFP.

Numa mensagem publicada no Facebook, Kolikhaiev contou que as tropas russas tomaram as ruas de Kherson e que um grupo de cerca de dez soldados entrou no edifício do governo para o informar de que, a partir daquele momento, iria ser criada uma administração militar da cidade.

Os invasores russos informaram-no ainda sobre as novas regras na cidade: imposição imediata de um recolher obrigatório entre as 20h e as 6h; limitação da circulação na rua a grupos de duas pessoas, no máximo; e proibição de veículos nas ruas, com excepção de veículos de transporte de alimentos, medicamentos ou outro tipo de bens de primeira necessidade.

“Hoje havia visitantes armados na comissão executiva da cidade”, escreveu o autarca, citado pela Reuters. “Não lhes prometi nada. Estou apenas interessado na vida normal da nossa cidade. Apenas pedi para não dispararem sobre as pessoas.”

A tomada de Kherson, um importante ponto estratégico que liga o mar Negro e ao rio Dniepre, com cerca de 300 mil habitantes, é a primeira conquista relevante do Exército russo, desde que deu início, há uma semana, àquilo a que Vladimir Putin, Presidente da Rússia, descreveu como uma “operação militar especial” na Ucrânia.

Com a maioria dos analistas e especialistas militares a acreditarem que, por esta altura, Moscovo já esperava controlar muitas mais cidades estratégicas ucranianas, a conquista de Kherson pode, ainda assim, dar novo fôlego à ofensiva russa, nomeadamente nos assaltos à capital, Kiev (norte), ou às importantes cidades de Kharkiv (Carcóvia, nordeste) e Mariupol (sudeste).

As primeiras duas continuam debaixo de fogo intenso, com bombardeamentos e ataques com mísseis reportados a cada hora, ao passo que em Mariupol, outra relevante cidade portuária, com cerca de 450 mil habitantes, actualmente cercada pelos soldados e pela artilharia russa, teme-se uma catástrofe humanitária e estima-se que haja centenas de mortes por contabilizar.

“Há quebras no abastecimento de alimentos, montaram-nos um cerco, como na antiga Leninegrado. [Os russos] estão há sete dias a destruir deliberadamente as infra-estruturas civis fundamentais da cidade. Não temos luz, água ou aquecimento”, denunciou a câmara municipal, citada pela Reuters, num comunicado divulgado nesta quinta-feira.

“Nem sequer conseguimos tirar os feridos das ruas ou dos apartamentos, (…) os bombardeamentos não param”, lamentou o presidente da câmara de Mariupol, Vadim Boichenko, citado pela BBC.

Cessar-fogo é miragem

O drama humanitário, que se vive um pouco por todo o território ucraniano, ameaça tornar-se incontrolável, se não for possível prestar ajuda às populações, alertou nesta quinta-feira Filippo Grandi, do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, informando que mais de um milhão de pessoas já terá saído da Ucrânia desde o início da invasão russa.

“É hora de as armas se silenciarem, para que a assistência humanitária, que salva vidas, possa ser prestada”, pediu, numa mensagem partilhada no Twitter.

Essa ajuda até poderia ser autorizada nesta quinta-feira, dia de nova ronda de negociações entre representantes ucranianos e russos na zona de fronteira entre a Ucrânia e a Bielorrússia, nomeadamente através da abertura de corredores humanitários em diferentes cidades sitiadas.

O objectivo de um cessar-fogo em todo o território, ou em partes dele, parece, no entanto, ser, para já, praticamente impossível de concretizar, até tendo em conta que o encontro entre as duas delegações se realiza numa altura de redobrados ataques russos.

Serguei Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros da Federação Russa, insistiu na quarta-feira que o Kremlin exige a “desmilitarização” da Ucrânia e a sua renúncia a aderir à NATO. Para além disso, avisou que existe uma lista de armamento específico que não poderá entrar em território ucraniano.

Com as promessas de armas, de munições e de outro tipo de equipamento militar feitas, nos últimos dias, pelos Estados Unidos, pela União Europeia e por outros países ocidentais – e que devem estar a chegar às mãos da resistência ucraniana a qualquer momento – é difícil prever uma redução das hostilidades russas a curto ou a médio prazo.

A Federação Russa diz-se ainda altamente injustiçada pelas sanções e pelos boicotes vários que lhe forsm impostos pelo Ocidente, numa estratégia concertada para a isolar internacionalmente. Para além de não dar sinais de querer abrandar o ritmo das hostilidades, até já ordenou às suas forças nucleares para subirem o nível de alerta para o mais elevado.

Na quarta-feira, 141 dos 193 países representados na Assembleia Geral das Nações Unidas aprovaram uma resolução de condenação da agressão militar russa à Ucrânia e de exigência da retirada imediata das suas forças.

Apenas cinco países votaram contra a resolução – Rússia, Síria, Coreia do Norte, Bielorrússia e Eritreia – e, entre as 35 abstenções, destacaram-se alguns aliados tradicionais de Moscovo, como a China, Cuba, a Venezuela ou a Nicarágua.

Trinta e oito Estados, incluindo Portugal, juntaram-se ainda para submeter ao Tribunal Penal Internacional uma informação de crimes de guerra que podem ter sido cometidos pelas tropas russas na Ucrânia, naquela que é considerada a maior acção conjunta na história daquele tribunal.

Resistência

Em mais uma das suas já habituais mensagens de vídeo, Volodimir Zelensky voltou a acusar esta quinta-feira o Exército russo de estar a bombardear alvos civis e zonas residenciais das cidades.

O Presidente da Ucrânia enumerou os obstáculos que os ucranianos tiveram de superar entre a I Guerra Mundial e a anexação da Crimeia, para assegurar que a resistência se vai manter firme na defesa do país.

“Não temos o maior território (…), não temos armas nucleares, não fornecemos petróleo ou gás aos mercados internacionais”, notou Zelensky. “Mas temos a nossa população, temos a nossa terra: é por isto que lutamos.”

O Presidente ucraniano disse ainda que já morreram cerca de 9 mil soldados russos desde o início da guerra. O Kremlin assegura, no entanto, que o número de baixas em combate é 498, e equipara o sacrifício destes “heróis” ao das tropas soviéticas que tombaram na luta contra a Alemanha nazi, na II Guerra Mundial.

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