Comunidade russa em Portugal alvo de ameaças e bullying
Os episódios de discriminação a russos que vivem em Portugal têm-se multiplicado desde o início do conflito na Ucrânia e chegam em forma de telefonemas, mensagens de texto ou comentários nas redes sociais. Associação russa garante que é contra a guerra.
A população russa em Portugal está a ser alvo de ameaças e discriminação desde que se iniciou a guerra na Ucrânia, alerta a presidente da Associação Russa Pushkin, Anna Pogrebtsova. Os episódios repetem-se sob a forma de telefonemas ou mensagens “agressivas” nas quais é dito, por exemplo, que “os russos são culpados” e que “têm de morrer”, exemplifica a dirigente associativa em declarações ao PÚBLICO. Apesar disso, Sveta Azernikova, também russa a residir na Madeira, não acredita que “algum cidadão russo sofra discriminação em Portugal”.
A viver em Portugal há quase duas décadas, Anna Pogrebtsova assegura que até ao momento são já muitas as situações de bullying relatadas por compatriotas, que têm lugar “maioritariamente nas redes sociais” ou através de telefonemas. “Eu própria já recebi uma destas chamadas à noite e até foi de um número identificado, a pessoa nem se tentou esconder”, explica. “Não posso dizer que recebo estes telefonemas todos os dias. Inicialmente, quando o conflito começou, recebia telefonemas agressivos e diziam coisas como que os russos são culpados e que têm de morrer”, desenvolve.
Quanto à nacionalidade das pessoas de quem partem estas ameaças, a presidente da associação russa diz que “há de tudo”, ou seja, tanto ucranianos em Portugal como cidadãos portugueses. “Acredito que muitas pessoas, talvez sentindo a dor e o pânico, começaram a traduzir isso em agressão”, refere ainda.
A dirigente associativa lamenta que haja “a generalização” de que todo o “povo russo” é culpado pela guerra. Sublinhando que é contra a guerra, assim como os restantes russos que a associação representa, Anna acrescenta que “os russos que estão em Portugal não têm culpa daquilo que está a acontecer”. “Os russos também estão sensibilizados com a guerra e esperamos que tudo isto volte ao normal o mais rápido possível.”
Até ao momento, Anna Pogrebtsova não recebeu qualquer relato de ameaças que se tenham transformado em agressões físicas. Contudo, elementos da comunidade russa já foram alvo de discriminação à entrada de um espaço de restauração, por exemplo. No início da semana, circulou na Internet uma fotografia de um quadro de um restaurante na qual se lia “russos fora de serviço”. Na visão de Anna, essa imagem serviu de “sinal de que todos podem fazer isso” e subsequentemente “os casos de bullying multiplicam-se”.
Também nas escolas já aconteceram episódios relacionados com críticas a crianças russas, garante Anna Pogrebtsova que refere que o sentimento de insegurança tem sido visível. “Houve mães a queixarem-se de as crianças terem sido chamadas ‘agressoras’ ou ‘malditas’. Já tive relatos de pessoas que têm receio de deixar as crianças andar sozinhas na rua.” O PÚBLICO recebeu relatos de outras duas cidadãs russas em Portugal, que preferem não ser identificadas, que confirmam terem sido ameaçadas.
“Sinto vergonha pelo nosso Presidente Putin”
Mas Sveta Azernikova, que é administradora de um grupo de Facebook, com quase três mil membros, para cidadãos que falam russo (sejam russos, ucranianos ou moldavos, como exemplifica), diz não ter recebido qualquer relato de episódios de bullying. “O Facebook é um espelho do mundo real e nunca ninguém, à excepção de uma pessoa, se queixou de discriminação e também ninguém fez queixa agora que a guerra começou”, explica e assegura também que é contra a guerra. “Sinto vergonha por o meu passaporte ser russo e sinto vergonha pelo nosso Presidente Putin”, lamenta.
Há 12 anos a viver em Portugal e já com dupla nacionalidade (russa e portuguesa), Sveta diz aliás que “as pessoas na Madeira têm apoiado” tanto russos como ucranianos. “Eles percebem que todos sofrem com isto”, desenvolve.
Na segunda-feira, a embaixada russa em Lisboa deixou uma recomendação aos cidadãos que vivem em Portugal, pedindo para reportarem às autoridades nacionais qualquer ameaça física ou verbal. “Em caso de ameaças à sua segurança, deve contactar imediatamente as autoridades portuguesas”, pode ler-se numa nota publicada no site oficial da Embaixada da Rússia em Portugal.