MNE ainda não sabe quantos oligarcas russos têm contas congeladas
Ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, defende acordo de associação entre a UE e a Ucrânia “mais modernizado e aprofundado” como forma rápida de responder à agressão da Rússia. E fala sobre o seu futuro político.
O chefe da diplomacia portuguesa considera que a União Europeia (UE) está mais unida do que nunca e que o momento deve ser aproveitado para se avançar com um mecanismo comum de apoio aos refugiados, uma vez que os países do grupo de Visegrado mudaram de posição. Santos Silva é, no entanto, evasivo quando questionado sobre se há ou não oligarcas russos alvo de sanções com contas congeladas em Portugal, remetendo para o Banco de Portugal.
Quantos portugueses estão neste momento na Ucrânia e quantos deles querem regressar? E ainda é possível ir buscá-los ou a situação já está tão degradada que não é possível fazê-los deslocar?
Ainda há algumas, poucas, dezenas de portugueses na Ucrânia que desejam sair. Temos feito esse apoio e fá-lo-emos enquanto for necessário. As condições de segurança no terreno agravaram-se substancialmente mas tentaremos apoiar toda a gente que precisa sair. A grande maioria de cidadãos nacionais que estão registados diz-nos que quer ficar porque são luso-ucranianos, ou seja, estão na sua terra e a defender a sua pátria.
E na Rússia? Com o espaço aéreo fechado houve algum pedido de portugueses para serem repatriados? Quantos é que lá estão?
Sim, alguns têm regressado, designadamente os portugueses que estão lá temporariamente. A embaixada está atenta. Temos registado consularmente cerca de 330 portugueses a viver na Rússia. Já estamos a recomendar vivamente que as pessoas não se desloquem para a Rússia e estamos a examinar a evolução das condições de segurança na Rússia.
Ainda não há recomendação para que saiam?
A Direcção-Geral de Política Externa ia esta quarta-feira fazer a consulta à nossa embaixadora em Moscovo para saber se íamos evoluir já nas recomendações.
A Ucrânia fez o pedido oficial de integração na UE. Que posição irá Portugal defender?
A Comissão Europeia tem agora de produzir um parecer. Portugal formará a sua opinião procurando a máxima concertação possível dentro da UE. Para nós, é muito importante que mantenhamos a unidade porque a unidade da UE, tal como a da NATO, têm sido a principal barreira à agressão russa e o principal apoio à Ucrânia. É preciso nunca perder de vista a urgência de hoje que é parar a agressão russa. A urgência de amanhã será apoiar a reconstrução da Ucrânia.
Conceder um estatuto especial à Ucrânia não ajudaria a parar a agressão?
A Ucrânia é um dos seis países que fazem parte da parceria oriental da UE e um dos três que têm acordos de associação com a UE. Uma forma de dar um sinal político e de apoio que a gravidade da situação exige seria rever já, para aprofundar, este acordo de associação que tem uma componente política e económica. Esse acordo pode ser modernizado e aprofundado. É um processo que demora muito menos tempo do que o processo de candidatura. Mesmo que sejamos rápidos a atribuir o estatuto de país candidato à Ucrânia, o processo de adesão demora anos.
A Ucrânia apresentou queixa no Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra. Portugal apoia essa queixa?
Portugal registou com muito agrado a posição do procurador-geral do TPI no sentido de investigar eventuais crimes de guerra, contra a humanidade e outros crimes tipificados no Estatuto de Roma que criou o TPI. Antes desta entrevista, falava com os serviços jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros para apurar que iniciativa se está a formar entre os países próximos de Portugal no sentido de apoiar essa iniciativa do procurador-geral.
Neste caso, o Governo português não tem dúvidas que se trata de crimes de guerra e contra a humanidade?
O Governo português e a generalidade da comunidade internacional. Temos visto mísseis disparados contra bairros residenciais, instalações de saúde, edifícios governamentais e em todos esses casos trata-se de ataques premeditados a civis e isso é um crime de guerra. Mesmo a guerra tem regras.
Tem-se debatido muito a criação de um exército europeu comum. Esta é a altura para avançar ou é mesmo a pior altura para sequer pensar nisso?
Portugal tem uma posição adquirida sobre essa matéria: uma resolução aprovada pela Assembleia da República pelos dois partidos maiores que alternam no Governo no sentido de exprimir reservas à constituição de um exército europeu. Entendemos que essa é uma matéria que toca no coração da soberania nacional e que não devemos ser precipitados nem aventureiristas. Dito isto, participamos na cooperação estruturada permanente que é uma cooperação reforçada de defesa e no âmbito da discussão da bússola estratégica está em causa a constituição de uma força comum de reacção rápida à escala europeia.
Mesmo que a AR não evolua na sua recusa do exército europeu propriamente dito, estamos a trabalhar no sentido de reforçar a cooperação europeia de defesa na UE e nossa com a NATO, como também de dotar a UE de meios próprios para reagir rapidamente a situações de emergência. Quando falamos de envolvimento de meios militares não é só para fazer a guerra. Os meios militares servem para fazer a paz e têm uma componente importante em matéria de protecção. As operações de repatriamento a partir de Kiev correram bem pelo facto de o Ministério da Defesa Nacional ter garantido a presença de três militares muito experimentados em operações de exfiltração junto da nossa embaixada.
Perante uma ameaça nuclear, Portugal tem algum plano para se defender?
Portugal defende-se no quadro da NATO, cuja capacidade de defesa passa crucialmente pela capacidade de dissuasão. Já houve uma ameaça implícita e a nossa resposta foi de total firmeza. Ninguém nos intimida com isso. Nós somos uma aliança nuclear.
A ameaça é apenas implícita?
Mesmo na barbárie, há um mínimo de racionalidade que se espera de todos os actores e toda a gente sabe que um conflito de natureza nuclear é um conflito sem vencedores. A melhor maneira de evitar que isso aconteça é mostrar firmeza perante qualquer laivo de ameaça, sugestão, insinuação. Para citar o Presidente Joe Biden, defenderemos cada centímetro do território da NATO.
Com a pressão da opinião pública, acredita que será possível uma revolta democrática na Rússia?
Não sei, mas é possível ver uma grande contestação na sociedade civil russa à guerra, mesmo em condições dificílimas. Há muitas provas de resistência interna a esta guerra, que não é compreensível à luz de nenhum critério. Não houve nenhuma provocação do lado da Ucrânia, as suas fronteiras são reconhecidas há muitos anos, incluindo pela Rússia. Nós não estamos nos anos 30 do séc. XX. Ninguém tem o direito de resolver diferendos pela agressão armada a um país.
A Comissão Europeia instruiu processos contra Malta e Chipre em 2020 por causa dos seus “vistos gold”, dizendo que minam a essência da cidadania europeia. Portugal suspendeu a análise de novos pedidos por parte de cidadãos russos. Pode isto vir a ser uma mudança na política de “vistos gold” em Portugal?
O caso português é diferente dos casos que citou pois nesses havia a atribuição de nacionalidade e nós atribuímos autorização de residência. Mais de dois terços dos países da UE tem uma qualquer forma de captação de investimento estrangeiro por facilitação de autorização de residência. Nós próprios mudámos a lei para contrariar o efeito inflacionário sobre os valores imobiliários em Lisboa e no Porto. Isto beneficia de haver algum consenso porque é isso que garante alguma estabilidade que, no caso de regimes de atracção por via fiscal ou investimento, é muito importante. A estabilidade destes regimes é importante para a confiança que os investidores têm no nosso país.
A questão dos “vistos gold” é muito diferente da questão que se coloca aqui: qualquer pessoa que faça parte ou venha a fazer parte da lista de sanções europeias será sancionada, os seus activos serão congelados e a sua liberdade de movimentos será suspensa. Cautelarmente suspendemos a apreciação de novos processos de atribuição de autorização de residência por investimento. O regime de sanções é dinâmico.
Sobre a lista de cidadãos sancionados, sabemos que nenhum deles tem um “visto gold”, mas sabemos quantos têm contas em Portugal que já foram congeladas, por exemplo?
Não tenho esse report. Essa é uma atribuição não do Governo mas do Banco de Portugal.
O Governo não tem esses dados? Não pediu para saber?
Não lhe sei dizer porque como isso não é matéria de política externa não quero atrever-me a dar por garantido uma coisa que tenha acontecido noutro departamento.
Sim, por isso, perguntava se tinha falado com o BdP sobre o assunto.
Falei a propósito das sanções financeiras, visto que fui eu que no Conselho de Negócios Estrangeiros dei acordo político a essas sanções. Estou um pouco embaraçado porque não gosto de pronunciar-me sobre assuntos que não domino inteiramente e como este assunto não é da área do MNE não sei se estou a dar-lhe uma informação verdadeira.
No final da presidência portuguesa da UE, disse numa entrevista de balanço que lamentava não se ter ido mais longe na criação de um mecanismo comum para apoio a refugiados por causa da covid...
...por causa da covid e das divisões internas da UE.
Mas agora os países estão mais unidos do que nunca. Será uma oportunidade para criar esse mecanismo? E como deverá ser?
Claro que é, até porque alguns dos países que tradicionalmente tinham uma posição muito restritiva face ao acolhimento de refugiados, como a Polónia ou a Hungria, Eslováquia ou República Checa, ou seja o grupo de Visegrado em geral, são hoje os países da linha da frente do acolhimento e que se estão a portar muito bem. Talvez não haja hoje um Estado-membro da UE que possa dizer que esse assunto ‘não é comigo’.
Esses países passam hoje por uma conjuntura que os fará muito mais disponíveis para encontrar soluções comuns. Aqui há alguns anos poder-se-ia dizer que isso era um problema de Malta, Itália ou de Espanha e que eles que se desunhem. Agora é um problema de todos.
Está confiante que Hungria e Polónia não mudem de posição agora?
Estou confiante que esses Estados possam evoluir para um consenso nos 27 para uma política europeia de migrações.
A UE está mais unida do que nunca. Subscreveria esta frase?
Sim. Tudo o que o presidente Putin diz querer evitar e que diz que justifica a agressão que está a fazer à Ucrânia, tudo isso está a contribuir para que seja mais uma realidade: a unidade da UE, a integração da Suécia e Finlândia na NATO, a UE aumentar mais a sua capacidade de acção em matéria de defesa, a Alemanha suspender o “Nord Stream 2”.
O PCP demorou a condenar a invasão da Ucrânia e votou contra a resolução do Parlamento Europeu de ceder meios aquele país. Como viu essa posição?
Eu nem sequer ouvi o PCP condenar a invasão russa.
Houve declarações da deputada Paula Santos, que será a futura líder parlamentar.
Não vale a pena perder tempo com isto. Lamento profundamente a atitude do PCP e ter que dizer que ela não me surpreendeu. A tradição do PCP em matéria de política externa está nas antípodas da minha.
Qual será a dimensão do investimento militar de Portugal na sequência desta guerra?
Posso responder até 2024. O objectivo é aproximarmo-nos de 2% do PIB em 2024. A despesa na defesa tem aumentado para cumprir esse plano. Quem não tinha era a Alemanha, que passou a dizer que os 2% são agora o seu objectivo.
Esta quarta-feira, Bruxelas admitiu manter a cláusula de escape das metas orçamentais, nomeadamente dos 3% de défice, em 2023 se a guerra travar a economia.
Não nos vamos enganar uns aos outros. Esta guerra, como todas as guerras, terá consequências económicas. As sanções que aprovámos têm consequências económicas. A Europa certamente vai ter que reavaliar as circunstâncias e reavaliar as medidas de política à luz deste novo facto que é uma guerra na nossa vizinhança.
É previsível uma recessão?
Não sou adepto dessa forma de feitiçaria moderna que é fazer previsões constantemente. Não conheço previsões que apontem para uma recessão. Já estamos a sentir pressões inflacionárias, tudo dependerá das políticas económicas e financeiras e do Banco Central Europeu. Uma coisa sei dizer: a austeridade não é solução, políticas de contracção agravam o problema em vez de o resolver. Na proposta de Orçamento do Estado que o futuro governo vier a apresentar à AR, os compromissos que assumimos estarão lá. O cenário macroeconómico certamente será adaptado em função das circunstâncias.
Esta guerra pode fazer repensar o seu futuro político? Ou seja, está em aberto à possibilidade de continuar MNE?
É muito difícil para mim repensar o que não conheço. Não sei qual é o meu futuro político.
Então não pensou nisso?
Não é coisa que me preocupe.
Houve uma altura em que estava desejoso de voltar à Faculdade do Porto.
Não, houve uma altura em que disse que esperava que o PS me deixasse acabar a minha actividade profissional no meu lugar de professor catedrático da Faculdade de Economia do Porto.
Esse momento está mais distante agora?
Não, em 2026 farei 70 anos. Nessa altura, jubilar-me-ei. E espero que pelo menos me deixem ir dar a última aula à faculdade. Até lá, temos muito tempo.
Para exactamente o quê?
Para servir o meu país o melhor que sei e posso.
No Parlamento, por exemplo?
Onde seja necessário.