Nos primeiros dias da guerra na Ucrânia, o Presidente Volodimir Zelensky identificou-se como o “alvo número 1” das forças russas, acrescentando que a sua família será “o número 2” e que permanece no país. Entre a família presidencial, no topo da mira de Vladimir Putin estará, segundo o chefe de Estado ucraniano, a primeira-dama do país, uma antiga guionista transformada em activista pelos direitos das mulheres e crianças, que, nos últimos dias, tem sido voz activa, sobretudo nas redes sociais, denunciando a tragédia que a nação enfrenta. “A Ucrânia é um país pacífico. Somos contra a guerra e não atacamos primeiro. Mas não vamos desistir”, escrevia, nas redes sociais, esta terça-feira.
A primeira-dama da Ucrânia tem 44 anos, feitos a 6 de Fevereiro, e nasceu em Kryvyi Rih, uma cidade no Sudeste do país. Olena e Volodimir nasceram no mesmo ano, 1978, e até cresceram na mesma cidade. Mas só viriam a conhecer-se quando ambos estudaram na universidade da urbe.
Em 1995, a jovem começou a estudar Arquitectura no Instituto de Economia de Kryvyi Rih, curso que terminaria em 2000, de acordo com uma curta biografia publicada no site do Congresso das Mulheres Ucranianas, e foi por essa altura que conheceu Volodimir, um estudante de Direito que se viria a popularizar como humorista. O casamento deu-se oito anos depois, em 2003, e no ano seguinte nascia a primeira filha, Oleksandra, agora com 17 anos. São ainda pais de Kyrylo, com nove anos, celebrados em Janeiro. Desde o casamento, a família vive em Kiev, onde fundaram o Studio Kvartal 95, uma das principais produtoras de programas de entretenimento no país.
Olena Zelenska, que não seguiu a carreira de arquitecta, afirmou-se como uma das principais guionistas dos projectos da produtora, incluindo da série de sucesso Servo do Povo, onde o marido brilhava no papel Vasil Holoborodko, um modesto professor de História, do secundário, que chega a Presidente da Ucrânia por causa de um vídeo viral em que surge a fazer um discurso inflamado contra a corrupção.
Terá sido por esse motivo que a guionista não levou a sério Volodimir quando este começou a falar sobre planos de concorrer à presidência. “Não fiquei muito feliz quando percebi que esses eram os planos. Percebi o quanto tudo ia mudar e as dificuldades que teríamos de enfrentar”, confessou à edição ucraniana da revista Vogue, na qual foi capa em 2019, seis meses depois de Volodimir Zelensky tomar posse.
De figurativa a activa
Na entrevista (em que é descrita como “pontual, sorridente” e fluente “num excelente inglês”), Olena conta como soube da candidatura oficial do marido à presidência pelas redes sociais, no primeiro dia daquele ano. O comediante decidiu fazer o anúncio oficial num programa do canal 1+1 e a notícia foi-se espalhando por todos os meios de comunicação até chegar à própria mulher.
“Quando lhe perguntei, ‘por que não me disseste?’, Volodimir respondeu-me: ‘Esqueci-me’”, recordava, com humor. E é também em tom de piada que acrescenta: “O meu marido sabe como me surpreender”. “Mas, agora a sério, já vínhamos a discutir esta questão há algum tempo, e disse que sempre o apoiaria”, sublinhou.
Ainda que, na época, reconhecesse que não era uma personalidade política, nem tinha “o direito de interferir no trabalho do Presidente”, prometia torna-se um intermediário entre “as pessoas e as entidades oficiais”. E cumpriu: apesar de na Ucrânia o papel de primeira-dama ser meramente representativo (tal como em Portugal, por exemplo), Olena Zelenska não se manteve muito tempo escondida nos bastidores, alargando o seu apoio ao marido sob a forma de uma série de iniciativas. É responsável pela reforma do sistema de nutrição escolar do país e conseguiu, graças a um discurso no terceiro Congresso da Mulher Ucraniana, o estatuto de membro da iniciativa internacional do G7 sobre igualdade de género, a Parceria de Biarritz, para a Ucrânia. Volodimir retribuiu-lhe com confiança, ao integrá-la no conselho do Art Arsenal, chefiado pelo ministro da Cultura. Entre as suas actividades, destacam-se a defesa pelos direitos das mulheres e a promoção da língua ucraniana no mundo.
Por isso, não é de admirar que o cenário de guerra apenas tenha servido para que Olena assumisse ainda com mais vigor o seu papel, dando a sua voz aos que mais sofrem com uma batalha que não escolheram travar, como no último fim-de-semana, quando partilhou a fotografia de um bebé embrulhado em cobertores, nascido num abrigo de Kiev. “Isto devia ter acontecido sob condições completamente diferentes, sob um céu pacífico. É o que esta criança deveria ver”, lamentou, acrescentando: “Lembro que, apesar da guerra, esta criança tem médicos e pessoas nas ruas junto a ele, e que será ‘protegida e defendida'”. “Somos o Exército, o Exército somos nós. E as crianças nascidas nos abrigos viverão num país em paz que se defendeu a si próprio”, prometeu.
Na publicação seguinte, a primeira-dama lembrou que a Ucrânia tem mais dois milhões de mulheres do que homens, prestando homenagem a todas as que deixaram as suas casas para se juntar à frente de guerra, às que estão a parir nos abrigos, às que continuam a trabalhar nos serviços essenciais, sublinhando o papel essencial que todas estão a desempenhar. “Admiro-vos tanto, minhas incríveis compatriotas”, elogiou.
Uma nova vida
Da eleição a uma guerra, com uma pandemia pelo meio, Olena não terá tido a rotina de primeira-dama descomplicada tal como a descrevia, em 2019, à Vogue. Mas numa coisa acertou: a sua vida seria diferente depois do marido ser eleito. Na altura, porém, considerava que, como mãe de dois filhos, pouco mudara: afinal, antes já não tinha tempo para si, apenas quando conduzia sozinha. “Agora retiraram-me isso ─ estou sempre com protecção. A casa de banho é o meu único retiro”, gracejava.
A primeira-dama dizia, todavia, ter sorte com as pessoas que a rodeavam: “Estão em silêncio quando preciso desse silêncio, e conseguem manter uma conversa quando sentem que é necessário”. Acreditava, no tempo em que a paz reinava, que “a vida não mudou, apenas mudaram as circunstâncias”, acrescentando que a família tentava manter uma vida o mais normal possível, sobretudo a pensar nos filhos.
A filha, Oleksandra, começara a seguir os passos do pai e já desempenhara alguns papéis na televisão e no cinema, apesar de a mãe esperar que seguisse outro caminho. “O mais novo, Kyrylo, ainda tem a oportunidade de ter uma infância normal ─ brincar com outras crianças, fazer desporto, ir ao conservatório, sem atrair atenção desnecessária”, celebrava, na época, a guionista.
No fim de 2019, dividia os dias entre a produtora Studio Kvartal 95 e as acções enquanto mulher do Presidente do país. “Podia ter continuado a viver a minha vida, a manter-me longe dos problemas e dos ataques da comunicação social, mas decidi apoiar o meu marido: emocionalmente, não é fácil para ele, e precisa de alguém a seu lado”, defendia.
Entre as acções que tem apoiado, nos últimos três anos, destaca-se o trabalho social. “Cresci em Kryvyi Rih, tenho vivido neste país a vida toda, e percebo quantos problemas temos. Mas se vou tentar chegar a tudo, não vai funcionar, então a nossa equipa decidiu focar-se em tarefas específicas: a saúde das crianças, igualdade de oportunidades para todos os ucranianos e cultura diplomática.”