Alemanha dá o mote com a suspensão da certificação do Nord Stream 2

O polémico gasoduto que foi sempre apresentado como projecto económico acabou por se tornar na primeira sanção a ser posta em prática.

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O chanceler alemão, Olaf Scholz, anunciou que face à situação actual, não é possível continuar com a certificação do Nord Stream 2 EPA/JOHN MACDOUGALL / POOL

O projecto puramente comercial acabou por se transformar em político: o chanceler alemão, Olaf Scholz, surpreendeu ao anunciar muito rapidamente que o processo de certificação do gasoduto Nord Stream 2 estava suspenso. Mais: Scholz disse que este é o primeiro passo numa reavaliação das fontes de energia face a uma “mudança drástica da situação”.

A surpresa pelo anúncio deveu-se ao facto de Scholz ter demorado a admitir que o gasoduto de dez mil milhões de euros (metade pagos pela russa Gazprom, outra metade por cinco empresas de energia da Europa), pronto a entrar em funcionamento, poderia ser afectado por um ataque russo à Ucrânia e, claro, pelo facto de a Alemanha estar, com ou sem Nord Stream 2, muito dependente do gás da Rússia (além dos potencias processos judiciais por prejuízos das empresas).

Mas na manhã seguinte ao anúncio de que a Rússia reconhecia a independência das repúblicas separatistas do Leste da Ucrânia, Scholz foi muito claro: “À luz dos desenvolvimentos recentes, temos de reavaliar a situação, em particular em relação ao Nord Stream 2”, anunciando que parava o seu processo de certificação (o processo fora antes suspenso e o Governo vai agora reexaminar o processo). “Soa muito técnico, mas sem esta certificação o Nord Stream 2 não pode entrar em funcionamento”, declarou ainda Scholz em Berlim (numa conferência de imprensa com o primeiro-ministro irlandês, Micheál Martin, que visitava a capital alemã).

No fundo, Berlim puxou da sua carta mais forte, mostrando que está disponível a pagar um preço muito significativo para que haja sanções que impliquem também um custo relevante para a Rússia. Agora, sublinhava no Twitter o analista Thorsten Benner do Global Public Policy Institue em Berlim, é altura de perceber se esta acção terá o poder que possa mudar alguma coisa no cálculo de Moscovo. “Quem tem sugerido que Scholz não estava alinhado com a União Europeia e os Estados Unidos pode agora centrar-se em se parar o Nord Stream 2 faz tremer Putin de medo tanto como argumentaram”, escreveu.

Medvedev ameaça aumento de preço do gás

Do lado russo, a resposta veio pelo antigo Presidente (e ex-primeiro-ministro), Dmitri Medvedev, no Twitter: “O chanceler alemão Olaf Scholz lançou uma ordem para parar o processo de certificação do gasoduto Nord Stream 2. Bem-vindos ao admirável mundo novo onde os europeus vão em breve pagar 2000 euros por mil metros cúbicos de gás natural!” O preço actual é menos de metade.

A acção alemã também pode ser vista como dando um mote da gravidade da situação e do que deve ser a força da resposta: “A Alemanha está a subir a fasquia para todos os outros países da União Europeia. O Governo alemão está pronto para acarretar custos potencialmente altos”; comentou Jana Puglierin, do European Council on Foreign Relations. “Para mim, isto é liderança verdadeira num momento crucial”, declarou.

O ministro dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia, Dmitro Kuleba​ – que chegou a expressar alguma frustração com a Alemanha, incluindo algumas tiradas mais exasperadas no Twitter usando maiúsculas – congratulou-se com a decisão. “É um passo correcto em termos morais, políticos e práticos nas circunstâncias actuais”, disse Kuleba. “Liderança verdadeira implica decisões duras em momentos difíceis. A acção alemã prova-o.”

Para os americanos e muitos europeus, o Nord Stream 2 tornou-se o símbolo de falta de solidariedade da Alemanha que deixava a Rússia com espaço para fazer pressão com recurso ao fornecimento de gás. Aprovado em 2005 nos últimos dias do Governo do então chanceler social-democrata Gerhard Schröder, amigo pessoal de Putin, o gasoduto permitia duplicar a quantidade de gás que chega à Alemanha (mais 55 mil milhões de metros cúbicos por ano) sem passar pela Ucrânia ou Polónia, deixando a Rússia com possibilidade de cortar o fornecimento a uns sem afectar o mais rentável mercado alemão, e privando os países de trânsito das taxas que recebem pela passagem do gás.

A Alemanha irá para já continuar dependente do gás russo: quase 30% da energia que a Alemanha utilizou no ano passado era gás vindo da Rússia. O período de transição energética, com o fim do nuclear e a intenção de apressar o final das centrais a carvão deixam o país a precisar ainda mais do fornecimento russo. Mas Scholz acrescentou que era preciso “reavaliar todo o abastecimento de energia” da Alemanha, levando a que vários analistas dissessem que mesmo que seja possível voltar a seguir com o processo de certificação do Nord Stream 2, isso será politicamente muito difícil de fazer.

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