O que é ser bem-sucedido?

Neste tempo em que vivemos, o que poderá significar preparar as crianças para serem bem-sucedidas? Qual a importância de aprenderem a lidar com o novo, com o diferente e com o surpreendente?

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"Os saberes de base humanista, considerados inúteis nas últimas décadas, voltaram a ser valorizados por alguns" Nuno Ferreira Santos/Arquivo

Todos os educadores, quer sejam pais ou professores, desejam educar as crianças para que sejam bem-sucedidas na vida. E até há bem pouco tempo parecia relativamente simples enumerar as condições que definiam uma vida bem-sucedida, conotando-as, para os menos ambiciosos, com um emprego estável e bem remunerado, e para os mais ambiciosos, com uma carreira profissional ascendente e com prestígio social, que permitisse gerar um status com os correspondentes sinais exteriores de riqueza, como uma boa casa e um bom carro, porventura com uma segunda habitação na praia e, ainda, viagens para destinos exóticos.

Já muito antes da pandemia que virou o mundo que conhecíamos do avesso, o ideal de emprego estável estava posto em causa para as gerações mais novas, não só pela própria natureza dos postos de trabalho e dos contratos laborais, mas também porque, cada vez mais, a ideia de imutabilidade não faz parte dos ideais dos jovens que entram no mercado de trabalho, com vontade de mudar periodicamente de emprego e de ter novas experiências profissionais.

A rápida circulação da informação e a evolução do conhecimento e da tecnologia colocaram em causa o próprio conceito de conhecimento e de como deve processar-se a sua transmissão, a partir do ensino do saber acumulado pelas gerações anteriores. Sem desprimor por esse conhecimento, certamente relevante, tornou-se determinante preparar os jovens alunos para um mundo em mudança, capacitando-os para utilizarem as ferramentas de acesso ao saber, de modo a conseguirem transformar a informação em conhecimento. As palavras pesquisar, analisar, selecionar, organizar, refletir, avaliar e comunicar passaram a fazer parte dos referenciais curriculares, embora o ensino, de um modo geral, pareça ter mudado bem menos do que seria suposto ou desejável.

Mesmo a ideia de status começou lentamente a ser posta em causa por alguns, que procuram um modo de estar na vida mais consciente, mais livre, mais harmonioso e mais significativo, que aposte em formas mais sustentáveis de viver, com um maior equilíbrio para o planeta Terra. Para esses alguns, a própria ideia de bem-sucedido é algo de diferente, que valoriza mais o ser do que o ter.

Em consonância com estes valores, os saberes de base humanista considerados inúteis nas últimas décadas, como a filosofia, a literatura e as artes, voltaram a ser valorizados por alguns, na medida em que fazem parte da condição de base para que um indivíduo possa compreender quem é e o que quer da vida, para poder fazer uma leitura plurifacetada do mundo, mais reflexiva e interrogativa, mais capaz de lidar com a mudança e de ser agente dessa própria mudança.

Neste contexto, surge com maior acutilância a dúvida do que é ser bem-sucedido num tempo em que as profissões para as quais estamos a preparar os nossos filhos poderão não existir no futuro, pelo que aqueles que melhor lidarem com o novo, com o diferente e com o surpreendente poderão, afinal, tornar-se mais bem-sucedidos do que aqueles que teoricamente estavam melhor preparados. Esta ideia poderá ser inquietante ou desafiante, consoante a perspetiva, mas será certamente interpelante, seja qual for o ponto de vista.

A pandemia que nos atirou a todos para o interior das nossas casas e nos retirou a possibilidade de levarmos a vida a que estávamos habituados, mais virada para o exterior e para os acontecimentos sociais, veio chamar a atenção, pelo menos de alguns, para a necessidade de uma forma de estar na vida menos yang, menos centrada na ação, na competição e na realização, para uma outra postura mais yin, de maior recetividade, escuta e abrandamento. Aqueles que, durante o tempo de confinamento, não se empanturraram de séries e de redes sociais poderão ter despertado para uma maior necessidade de interioridade, contemplação, silêncio, escuta, abrandamento, tranquilidade, reflexividade…

Nessa nova ordem das coisas, o que é afinal ser bem-sucedido? Emergiu a palavra reinventar-se, da qual se usou e abusou nestes tempos estranhos, a ponto de quase ser banalizada. Mas uma palavra com a força da reinvenção é à prova de banalização e suscetível de trazer para a luz do dia as capacidades que poderão estar na génese da possibilidade de reinvenção, como o pensamento crítico, o pensamento divergente, a autonomia, a criatividade, a imaginação, a flexibilidade, a adaptabilidade e a ousadia.

Neste tempo em que vivemos, torna-se ainda mais premente perguntar o que significa preparar os mais jovens para virem a ser bem-sucedidos. Não é necessariamente negativo não saber a resposta. Ou ainda não a saber. Não saber é sinal de que começámos a perguntar. E a interrogação é um princípio muito poderoso: afinal, o que é ser bem-sucedido? Eu congratulo-me por ter dúvidas.


A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

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