Quando em 1946, Humberto II se viu forçado ao exílio, após um referendo que ditou o fim de uma monarquia desgastada — sobretudo pelo facto de o anterior monarca (o pai, Vítor Emanuel III) ter permitido que Benito Mussolini “reinasse” no seu lugar —, o rei não saiu do país sem antes pôr a salvo as jóias da família. Antes de embarcar para Portugal, onde encontrou refúgio em Cascais, Humberto II depositou no Banco de Itália 6732 diamantes e 2000 pérolas sob a forma de colares, brincos, tiaras e braceletes, depois de ter sido exortado a entregar as jóias reais que guardava no que era até então a sua residência, o Palácio do Quirinal, a actual sede da Presidência da República.
No entanto, o depósito da arca no Banco de Itália, o facto de o Estado nunca ter confiscado as jóias como fez com outros bens, de mobiliário a propriedades, e a existência de um documento, redigido pelo então ministro da Casa Real, Falcone Lucifero, onde se lê que as jóias serão mantidas “à disposição de quem quer que tenha direito a elas”, estão a servir de argumentos para que os descendentes do monarca exijam a entrega das pedras preciosas.
A acção contra o Estado italiano deverá ser interposta pelos quatro filhos de Humberto II, que morreu em 1983 em Genebra. Maria Pia, Victor Manuel, Maria Gabriela e Maria Beatriz de Sabóia optaram por accionar as vias judiciais após a tentativa de um acordo não ter sido bem-sucedida. Cabe agora a Manuel Filiberto, o primogénito de Victor Manuel, avançar na demanda e, de acordo com o advogado da família, Sergio Orlandi, citado pela agência Efe, o neto do último rei de Itália “está muito determinado em prosseguir a causa”.
O valor actual do tesouro não é conhecido, no entanto, em 1976, a arca foi aberta e o seu conteúdo avaliado pela reputada Bulgari que considerou que a colecção rondaria os 18 milhões de euros.
As origens da Casa de Sabóia remontam ao século X, tendo estado à frente dos destinos de várias coroas (Albânia, Chipre, Croácia, Espanha, Etiópia, Jerusalém…), mas com influência em muitas outras, como a portuguesa: o primeiro rei de Portugal, D. Afonso Henriques, casou com D. Mafalda de Sabóia; nos primeiros anos do século XVI, a infanta D. Beatriz, filha do rei D. Manuel I, casou em Sabóia com o duque Carlos III; e no centro do conflito de sucessão entre D. Afonso VI e D. Pedro II esteve uma Sabóia, D. Maria Francisca, que casou com o primeiro, conseguiu a anulação de Roma, alegando a incapacidade de o homem consumar o matrimónio, e, de seguida, desposou o segundo, que assumiu o trono.
No século XIX, a família Sabóia foi fulcral na unificação italiana, o que deu origem ao Reino da Itália (1861-1946). Após o fim da monarquia, em 1946, quando Humberto II somava apenas 34 dias de reinado, foi exigido o exílio dos descendentes masculinos da Casa de Sabóia, algo que se manteve inalterado até à reforma constitucional de 2002.
Nesse mesmo ano, o herdeiro do trono italiano, na companhia da mulher, Marina Doria, e do filho, o príncipe Manuel Filiberto, viajou até Itália, após 56 anos de exílio, para um encontro de cerca de 20 minutos com o então Sumo Pontífice, João Paulo II. Na altura, Victor Manuel expressou publicamente o seu agradecimento ao primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, cujo Governo propiciou o fim do seu exílio. “Sinto uma emoção indescritível”, assegurou.