A campanha eleitoral perdida no labirinto das propostas habituais
A crise climática assusta e a ecoansiedade já se tornou um problema real. Espantosamente, esta questão existencial das nossas vidas, e sobretudo das vidas das gerações futuras, não está no centro das campanhas eleitorais dos principais partidos que concorrem à eleição do próximo dia 30 de janeiro.
Há 50 anos, uma equipa especializada em análise de sistemas do Massachusetts Institute of Technology (MIT) compilou o famoso relatório ao Clube de Roma The Limits to Growth (Os Limites ao Crescimento). Apoiado em modelos informáticos, os investigadores analisaram a interação entre cinco parâmetros fundamentais: o crescimento da população mundial, a produção alimentar, a produção industrial, os recursos naturais e a poluição. Utilizando doze cenários diferentes, o cenário “business as usual”, continuando como se nada fosse, levaria, inequivocamente, ao colapso num prazo máximo de 100 anos.
Seria expectável que este alerta provocasse mudanças políticas fundamentais para evitar a catástrofe. No entanto, já sabemos que não foi assim. As sociedades humanas, e nomeadamente as sociedades industrializadas e tecnologicamente mais avançadas, seguiram o caminho do crescimento económico exponencial e infinito, da produção em massa de bens de durabilidade limitada, do consumo desenfreado de quem tem os necessários meios financeiros ou acesso a crédito, explorando os recursos naturais da Terra e destruindo os ecossistemas. Tirando algumas correções menores, as previsões do relatório estavam certas: neste momento, o orçamento carbónico que define as emissões de CO2 que a humanidade pode emitir para manter o aumento das temperaturas médias globais abaixo de 1,5ºC é apenas suficiente para os próximos 7,5 anos. E mesmo com o aumento atual de cerca de 1,2ºC acima das temperaturas médias globais antes do início da revolução industrial e da queima maciça de combustíveis, já assistimos a fogos florestais catastróficos e inundações de dimensão apocalíptica por todo o mundo. A estabilidade do sistema climático da Terra, base da sobrevivência das civilizações humanas, encontra-se seriamente ameaçada.
Mesmo durante o primeiro ano da pandemia de covid-19, com a redução da atividade económica resultante, as emissões de gases com efeito de estufa apenas diminuíram em 6,4%. Mas já voltou tudo ao “normal”, apesar das restrições pandémicas ainda em vigor, e a economia e as emissões crescem como dantes. Temos agora “pactos verdes” e “leis do clima”, em Portugal, na Europa e pelo mundo fora, que nos querem fazer crer que podemos continuar como dantes e apostar na produção e no crescimento, já que agora tudo é “verde”. No entanto, nunca foi demonstrado que é possível separar o crescimento económico dos seus efeitos nefastos sobre a Natureza. Quando muito, esses efeitos são exportados para países terceiros que asseguram a produção poluente dos bens que depois vamos importar.
Espantosamente, esta questão existencial das nossas vidas, e sobretudo das vidas das gerações futuras, não está no centro das campanhas eleitorais dos principais partidos que concorrem à eleição do próximo dia 30 de janeiro. Nas arruadas e nos comícios, nos debates televisivos e na rádio, o grande tema da atualidade está quase ausente. Os partidos da direita parlamentar entretêm-se com sonhos da glória neoliberal do Estado magro e do sucesso da iniciativa privada com que nos brindaram pela última vez nos anos da troika. Regateiam ainda os valores miseráveis do RSI com os mais pobres e propõem uma redução do IRS que apenas beneficia quem mais rendimentos tem, e certamente não a metade da população que nem IRS paga por ter rendimentos demasiado baixos. Ao centro-esquerda, o partido do Governo atual promete-nos uma versão mais suave de uma receita não fundamentalmente diferente, alicerçada em supostas contas certas, desde que não se trate de despesas para a “nossa” TAP, e no sucesso das suas políticas pandémicas. À esquerda, o Bloco de Esquerda e a CDU fazem um esforço tremendo para não deixar transparecer que existem correntes ecossocialistas (BE) ou um parceiro de coligação (o Partido Ecológico “Os Verdes”) que, supostamente, poderiam aportar algum contributo para os desafios da crise climática. Mesmo o PAN e o Livre não parecem estar demasiado interessados no assunto, embora tragam a Natureza no nome (PAN) e a ecologia nos princípios (Livre).
Indubitavelmente, a crise climática assusta e a ecoansiedade já se tornou um problema real. No entanto, os partidos que se propõem a liderar o Governo nos próximos quatro anos ou a fazer parte de uma possível solução governativa preocupam-se mais facilmente com cenários de maiorias mais ou menos absolutas ou com “geringonças” e outros acordos semelhantes, ao invés de assumir com frontalidade que é preciso fazer uma mudança radical da nossa forma de viver enquanto sociedade, se queremos ficar dentro dos limites planetários e assegurar um futuro para nós, os nossos filhos e a humanidade em geral. Em vez disso, apresentam-nos longos catálogos de propostas cuja implementação terá um enorme impacto sobre os ecossistemas e na emissão de gases com efeitos de estufa, sem qualquer quantificação adequada desses efeitos, ignorando o reduzido horizonte temporal que nos resta para implementarmos a transformação necessária.
Até agora, a campanha eleitoral demonstrou que os principais partidos continuam amarrados ao paradigma do crescimento económico infinito, idolatrando o PIB, motor da catástrofe climática e da destruição dos ecossistemas. É um paradigma que faz com que, durante a pandemia, os dez homens mais ricos pudessem duplicar as suas fortunas, enquanto 99% da população perdesse rendimentos. E nós ficamos a ver voar naves espaciais de homens como Richard Branson e Jeff Bezos que, num instante, queimam enormes quantidades de combustíveis, para o gáudio de quem pode, impactando ainda mais o parco orçamento carbónio remanescente, quando Elon Musk, outro adepto das aventuras extraterrestres, se torna no homem mais rico do mundo,
Donella Meadows, coautora do relatório Os Limites ao Crescimento, delineou já há 20 anos os Pontos de Alavancagem e os Lugares para Intervir num Sistema: as pequenas alterações às regras do funcionamento da sociedade, mais ou menos impostos ou subsídios mais ou menos verdes nunca atacam as questões de fundo. Será preciso mudar o paradigma e os objetivos principais do sistema, tendo capacidade de propor algo verdadeiramente novo e diferente que possa alavancar a sociedade do futuro, transcendendo a crise atual.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico