O elevador social precisa de mais bolsas de estudo no ensino superior
Para que o nosso sistema de bolsas de estudo no ensino superior aumente a sua cobertura devemos contar, em primeira mão, com um maior investimento do Estado. Mas devemos promover também um maior compromisso da Sociedade Civil, em particular das empresas, que são beneficiárias diretas de uma maior qualificação dos portugueses.
Até 2030, um dos principais desafios da Educação em Portugal é o aumento da percentagem de adultos com ensino superior, que constitui o “grande motor” para o elevador social funcionar mais e melhor em Portugal. Este é um tema pouco ou nada tratado ao longo da pré-campanha e, até agora, na campanha eleitoral em curso, no âmbito da necessidade de qualificação dos portugueses e dos fundos da “bazuca” que vão estar disponíveis.
No final de 2020, a saída escolar precoce em Portugal – jovens entre 18 e 24 anos sem 12.º ano – situou-se em 8,9%, abaixo do objetivo de 10% estabelecido para o final da década anterior. Em 2020, também superámos o objetivo de mais de 40% de adultos entre 30 e 34 anos com ensino superior, com um valor de 43%. Se podemos esperar para breve a quase erradicação da saída escolar precoce no nosso país, estamos ainda muito longe das melhores práticas europeias em termos de frequência do ensino superior – acima dos 50% e a caminho dos 60%, em alguns países comparáveis, como a Irlanda, Suécia e Países Baixos.
O desafio atual do ensino superior passa, em grande medida, pela igualdade de acesso para todos os jovens, em especial os que, tendo mérito académico, pertencem a famílias com menos capacidade económica para suportar três a cinco anos de investimento para um ou mais filhos, muitas vezes deslocados da sua residência. Deste modo, um sistema de bolsas de estudo com ampla cobertura parece ser fundamental para podermos vencer este desafio no final da década.
Em 2019, Portugal teve 385 mil alunos a frequentar o ensino superior – universitário e politécnico, público e privado –, dos quais apenas 72 mil beneficiaram de bolsas de estudo, cerca de 19%, sendo 63 mil públicas e nove mil privadas. Em 2017 e 2018, o número de alunos com bolsas de estudo superou os 74 mil, acima do atingido em 2019.
No relatório do “Estado da Educação 2019”, último relatório publicado pelo Conselho Nacional da Educação, de onde obtive todos os dados acima referidos, pode-se consultar também um “benchmark” europeu do “National Student Fee and Support System in European Higer Education”, em 2018/2019, com a percentagem de alunos nacionais que receberam bolsas de estudo no 1.º ciclo do ensino superior. Nesta comparação, Portugal situa-se no segundo escalão mais baixo (10% a 24,9%); como seria de esperar, Irlanda, Países Baixos (ambos entre 25% e 49,9%) e Suécia (>75%) estão melhor, mas isso também se verifica para Espanha, França, Reino Unido e outros países com quem nos devemos comparar.
Para que o nosso sistema de bolsas de estudo no ensino superior aumente a sua cobertura devemos contar, em primeira mão, com um maior investimento do Estado. Mas devemos promover também um maior compromisso da Sociedade Civil, em particular das empresas, que são beneficiárias diretas de uma maior qualificação dos portugueses.
Neste contexto, constitui um importante sinal, a ter em atenção pelos responsáveis políticos e empresários, a procura crescente por apoios para a frequência do ensino superior e mestrado que, em termos relativos com o ensino secundário, parece mobilizar mais jovens com um perfil socioeconómico que se enquadra menos no conceito de “bolsa social”. Com efeito, é cada vez maior o esforço que a educação superior representa para todas as famílias, pelo que é necessário reforçar os apoios públicos e privados, sobretudo para os jovens oriundos daquelas que são mais carenciadas, de modo a garantir igualdade de acesso aos dois ciclos do ensino superior.
Em tempo de eleições e de início de uma nova legislatura, em que temos alguns sinais do eventual agravamento futuro das propinas do ensino superior, em particular no caso dos mestrados, a cobertura nacional por um sistema de bolsas sociais mais alargado para estes alunos deveria ser um tema com mais destaque em Portugal. Mas ainda vamos a tempo.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico