O que eles querem é estabilidade. Os caminhos é que são diferentes
Ninguém espera que um líder partidário peça instabilidade. Mas não deixa de ser surpreendente que o desejo de estabilidade possa ter tantas versões. Foi o que resultou do chamado “debate de todos contra todos” da RTP.
Chamaram-lhe o “debate de todos contra todos” e os líderes dos nove partidos que elegeram deputados na eleição legislativa de há dois anos não desiludiram. Na discussão na RTP na noite desta segunda-feira, estiveram mesmo todos contra todos, mas também quase todos contra António Costa. Por diversas razões, mas quase sempre de forma cordata. Nem podia ser de outra maneira, porque há uma coisa que os nove querem: “Estabilidade”.
No palco do Cineteatro Capitólio, em Lisboa, António Costa, por ter sido mais votado em 2019, foi o primeiro a falar no debate que durou duas horas e começou logo por pedir uma maioria absoluta (com todas as letras) em nome da estabilidade. Em acordos pós-eleitorais, fossem à esquerda ou à direita, é que não quis falar. “Ganhar” foi a palavra que mais repetiu. Pela estabilidade, claro.
Rio entrou em cena logo a seguir e também ele quer vencer em nome da estabilidade, mas ficou uma certeza: se não ganhar, não sai do palco (não se demite) logo na noite eleitoral. “Logo se vê”, garantiu. A “estabilidade” sou eu, afirmou, ainda que por outras palavras.
A “estabilidade” estava mesmo em alta no debate e Catarina Martins, em nome do Bloco de Esquerda, assegurou que o partido não fugirá a garantir “estabilidade”.
“Não, não”, terá pensado João Oliveira e adiantou desde logo que a estabilidade se garante com cada voto e com cada deputado eleito pela CDU (PCP e Os Verdes).
Estava o debate neste ramerrão quando Costa, chamado a responder a tudo o que tinha sido dito, voltou a acusar o BE e o PCP de serem os responsáveis pelo facto de o Orçamento do Estado não ter sido aprovado. Já o tinha dito várias vezes, mas, provavelmente por o debate estar a ser transmitido pela RTP Internacional, decidiu repeti-lo ao mundo. Desta vez criou, digamos, alguma instabilidade.
Nada estável, o primeiro a entrar a pés juntos sobre António Costa foi Francisco Rodrigues dos Santos. O presidente do CDS, face às ameaças de Costa de se demitir, afirmou que “seria bom” que o líder do PS tivesse trazido para o debate Pedro Nunos Santos, pois será ele a negociar com a esquerda, se Costa não ganhar.
Inês de Sousa Real, porta-voz do PAN, não falou em estabilidade, mas num partido “responsável e útil à democracia”. A líder partidária já afirmou que está disposta a fazer acordo de governação com o PS ou com o PSD, mas agora, questionada sobre o assunto, diz desejar “uma coligação com os portugueses”.
André Ventura entrou, como é seu timbre, em modo radical: aprovação de Governo à direita só com o Chega dentro dele. Rui Rio foi o eleito para levar uma “canelada”, com Ventura a relembrar os “solavancos” do acordo nos Açores, para dizer que o PSD não é confiável para levar avante reformas estruturais. Aqui, para os mais distraídos, importa lembrar que o PSD Governa os Açores com o apoio do Chega.
João Cotrim de Figueiredo, da Iniciativa Liberal, chamado a falar, virou logo as setas para Costa, desafiando-o a clarificar as alianças que o PS já planeou para o dia a seguir às eleições e questionou a apresentação de uma proposta orçamental que já foi chumbada no Parlamento. “O PS está a pedir votos e não explica para quê. Não é assim que se faz política”, disse, criticando que se fale da estabilidade como se fosse uma solução inquestionável, lembrando que até o Titanic teve uma rota estável, até chocar contra um icebergue.
Rui Tavares, do Livre, voltou a defender uma maioria de esquerda “o mais ampla possível”. Porquê? Porque tem de haver estabilidade política no país e a viabilização de um Orçamento do Estado à esquerda. “Se houver uma maioria à esquerda, seremos parte da solução. Se for à direita, seremos parte da oposição”, resumiu. Mas também ele tinha uma “canelada” a dar a Costa, ainda que levezinha: “As pessoas não querem maioria absoluta, os portugueses querem pluralidade...”
Depois de discutida a questão da governabilidade, o jornalista Carlos Daniel levou o debate para as questões sectoriais, as chamadas propostas para o país. E todos repetiram o que já tinham dito nos cerca de 30 debates em que os candidatos estiveram frente a frente nas diversas televisões.
É verdade que foi nesta parte que Costa levou mais “pancada” dos seus adversários políticos, mas o líder do PS, como bom lisboeta, também não levou calado “ofensas” para casa, e também deu algumas “caneladas”, especialmente a Rui Rio. Mais uma vez, sempre de forma civilizada.
Ao fim e ao cabo, o que eles querem é estabilidade. Os caminhos é que são muitos e dependem dos votos. Dia 30, ficamos a saber.